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Gutierres Fernandes Siqueira

O nacionalismo evangélico

O Brasil necessita de um exorcismo: o exorcismo do fanatismo político

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Gutierres Fernandes Siqueira

Jornalista e teólogo, é autor de “Quem Tem Medo dos Evangélicos?” (ed. Mundo Cristão) e coautor de “Autoridade Bíblica e Experiência no Espírito” (Thomas Nelson Brasil)

Tanto nos ataques ao Capitólio dos Estados Unidos, em 6 de janeiro de 2021, quanto na sedição em Brasília, em 8 de janeiro de 2023, os extremistas carregavam símbolos religiosos (Bíblias, cruzes e crucifixos) e realizavam rituais de oração e louvores coletivos ou individuais.

Os Estados iliberais tendem a usar a religião como uma ferramenta para consolidar o nacionalismo —como pode ser visto na Rússia, Índia, Polônia e Hungria. No entanto, o Brasil e os Estados Unidos experimentam outra forma de nacionalismo religioso: o nacionalismo evangélico.

Mulher reza em frente a batalhão da polícia durante ataques na praça dos Três Poderes, em Brasília - Antonio Cascio/Reuters

Embora os extremistas ainda sejam uma pequena porção de evangélicos, é inegável que, nos últimos anos, os populistas autoritários têm conseguido, com relativo sucesso, atrair esse público para suas agendas. Trata-se de uma mescla de fervor religioso, teorias conspiratórias, ativismo e messianismo.

Até a separação de Igreja e Estado, assim como a liberdade religiosa, começam a ganhar adversários entre os evangélicos mais extremados. A Primeira Emenda à Constituição dos Estados Unidos, que concede a liberdade de religião e separa a Igreja do Estado, foi influenciada pelo pensamento protestante e pelo legado da reforma protestante. Mas, hoje, é considerada negativa por alguns grupos religiosos de direita. Em janeiro de 2021, o conhecido pastor John MacArthur pregou na megaigreja Grace Community Church, situada em Sun Valley, na Califórnia: "A liberdade religiosa é o que manda as pessoas para o inferno. Dizer que apoio a liberdade religiosa é dizer que apoio a idolatria".

O evangelicalismo —um ramo do protestantismo que é mais popular e conservador— adota posturas que explicam a atratividade do discurso de extrema direita. Os evangélicos reagiram ao aumento do secularismo no início do século 20 com sectarismo, anti-intelectualismo e desconfiança das instituições políticas e sociais, incluindo universidades e órgãos do governo. Professores universitários, artistas, cientistas e políticos liberais começaram a ser vistos como inimigos ou perseguidores da fé —criando um sentimento de rejeição às elites culturais. De Hollywood à USP, foram vistas como instrumentos do anticristo. A ciência é sinônimo de ateísmo, e os artistas são pervertedores de crianças.

A extrema direita surge com um discurso que é musical aos ouvidos de muitos evangélicos: povo real contra as elites, discurso contra a ciência e rejeição das classes artísticas como "drogados" e "depravados sexuais". A extrema direita também tem uma visão escatológica, ou seja, um discurso sobre o final dos tempos —mas o olhar não é para o futuro, mas sim para o passado. É o passado idealizado dos reacionários que sonham com a "era de ouro" que se perdeu em algum momento do século 20. Uma visão que, nitidamente, é contrária à fé cristã.

Os nacionalistas evangélicos, considerados os "escolhidos" de Deus para fazer do Brasil uma grande nação, lutam para que o bem prevaleça sobre o mal. A marcha para Brasília seria a libertação de Jerusalém, a salvação das nossas crianças e a garantia da nossa fé, pensam eles.

Os discursos messiânicos na política são sedutores porque dão aos autoritários a ilusão de que conduzem a história. Os nacionalistas religiosos apenas esquecem que o messianismo político é, na essência, a usurpação da própria fé que dizem tanto proteger.

É nossa responsabilidade, enquanto líderes religiosos e teólogos, educar o povo cristão nas Sagradas Escrituras, que ensinam que nossa luta não é contra pessoas, mas sim contra os seres das trevas, que usam armas como o ódio, o rancor, a raiva, a divisão e o sectarismo. No texto "Carta à Igreja de Éfeso", o apóstolo Paulo relata que as armas do cristão são a verdade, a justiça, a fé, a salvação, a palavra de Deus e o evangelho da paz.

Os princípios da equidade, da pacificação e da veracidade são incompatíveis com ideologias agressivas, violentas, autoritárias e que se fundamentam em notícias falsas. O Brasil necessita de um exorcismo, mas seria para exorcizar o fanatismo político.

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