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Fernando Cássio

A reforma do ensino médio deve ser mantida? NÃO

Está claro que modelo amplia desigualdades e agrava problemas educacionais

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Fernando Cássio

Educador, doutor em ciências (USP) e professor da UFABC; integra a Rede Escola Pública e Universidade (Repu) e o comitê diretivo da Campanha Nacional pelo Direito à Educação

O editorial "Desafio para o MEC" (22/2), que maliciosamente associa a pauta da revogação da reforma do ensino médio a apressadas "organizações estudantis", ignora que essa pressão começou em meados de 2016, quando um governo sem legitimidade social instituiu uma reforma educacional de vastas proporções utilizando o impróprio instrumento da medida provisória. Foi a partir daí que os reformadores buscaram produzir um consenso pela alegada necessidade da reforma por meio de propaganda e pesquisas de opinião que atribuíam ao "novo ensino médio" a melhoria do ensino público brasileiro.

Com a implementação da reforma, porém, acumulam-se evidências de que ela amplifica desigualdades escolares e agrava os problemas educacionais que, dizia-se, almejava atacar. Frente a isso, quem ontem a defendia hoje condiciona seus benefícios a uma "boa implementação" nas redes de ensino. Não explicam o que isso significa, mas dizem: é preciso "aprimorar".

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Alunos do ensino médio têm aula no colégio Vital Brazil, no Butantã, em São Paulo - Zanone Fraissat - 3.nov.20/Folhapress

Pesquisa da Rede Escola Pública e Universidade (Repu) constatou na rede de ensino do estado de São Paulo, a maior do país, uma massa de estudantes de ensino médio sem aulas. A falta de professores, com a intensificação do trabalho docente, é um efeito previsível e imediato das mudanças. Os que advogam reformar a reforma deveriam explicar como "aprimorar" salários, carreiras, condições de trabalho e formação de docentes que tiveram o trabalho quintuplicado pela fragmentação curricular dos "itinerários formativos", minidisciplinas esvaziadas de conteúdo e com títulos como "Superar desafios é de humanas".

Os estudantes do período noturno, a quem a reforma prometeu o aumento da carga horária, estão recebendo ensino a distância "à la pandemia": ou seja, nenhum. No horizonte de "aprimoramentos" da reforma também não há políticas para que estudantes trabalhadores possam acessar o ensino em tempo integral, reservado aos mais privilegiados nas redes públicas.

A "qualificação profissional" que a reforma do ensino médio também prometeu é hoje um ajuntamento de cursos de curta duração que substituem conteúdos escolares. Quando muito, as redes ofertam aulas de administração, marketing ou informática ministradas por escolas terceirizadas e com carga horária inferior a cursos técnicos regulares, não fornecendo habilitação profissional. A ampliação das redes de ensino técnico era outro possível "aprimoramento" da reforma, devidamente excluído da pauta dos que tentam salvá-la.

Já a "liberdade de escolha" dos estudantes, chamariz do projeto, revela-se inviável na prática, seja pela falta de salas e de professores, seja pela impossibilidade de organizar calendários e rotinas das escolas com a multiplicidade de novos componentes curriculares. Qual o "aprimoramento" possível, nesse caso? Eliminar os itinerários? O que sobraria da reforma?

Os defensores do "novo" ensino médio, a fim de se esquivar do debate sobre os efeitos perversos da reforma nas redes públicas, apelam ao argumento de que, se já chegamos até aqui, não faz sentido "retroceder". Revogar seria radicalismo.

As evidências, contudo, apontam para o fato de que é a própria reforma que produz retrocesso educacional. Para além da conveniência dos secretários de Educação e das posições ideológicas de fundações e institutos empresariais, quais as justificativas educacionais e pedagógicas para não revogar um conjunto de promessas irrealizáveis embalado num palavrório sobre "arquiteturas curriculares flexíveis" e "inovação educacional"?

A reforma do ensino médio é irreformável. A revogação não há de ser mais radical do que a insólita MP que a colocou de pé, à revelia de educadores, das comunidades escolares e da sociedade brasileira que almejam uma escola pública que, acima de tudo, garanta acesso ao conhecimento.

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