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Nadia Somekh

As culpas pela tragédia

Saída é valorizar dimensão ambiental do planejamento urbano e territorial

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Nadia Somekh

Presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU-BR), é professora emérita da Universidade Mackenzie

Barra do Sahy soterrada, ao menos 48 mortos (47 em São Sebastião e 1 em Ubatuba), 36 desaparecidos, cerca de 2.500 pessoas desalojadas ou desabrigadas, veranistas ilhados na praia da Baleia e o âncora da TV criticando o prefeito por não ter avisado a população dos morros.

O que poderia ter sido feito? O problema não é acionar sirenes em momentos da emergência, como o que ocorre agora no litoral norte paulista. O problema é o histórico processo de urbanização de nosso país que não dá lugar na regulação urbanística para os mais pobres e vulneráveis, agravado agora pela escalada das mudanças climáticas.

De acordo com o IBGE, o Brasil tinha em 2010 (dado mais recente), em 872 municípios mapeados, uma população aproximada de 8,2 milhões de pessoas vivendo em áreas de risco, abrigadas em cerca de 1,5 milhão de moradias permanentes.

A maior parte das áreas de risco está localizada na costa leste do país justamente pelo fato de a ocupação do território ter se concentrado no litoral, mais suscetível à ocorrência de desastres naturais, associados à ocupação de encostas íngremes, topos de morros e cursos de água, conforme ressaltado por pesquisadores do Instituto Geológico.

Por sua vez, o 5º Relatório de Avaliação do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) já alertava que, sem mitigação do aumento da temperatura global, os maiores castigados pelas mudanças climáticas serão provavelmente os países tropicais, como o Brasil.

Sirenes serão insuficientes se dependermos apenas delas para que catástrofes como esta não se repitam nos próximos verões, com inundações, deslizamentos, colapso de serviços públicos em cidades e quedas de barreiras e isolamentos em estradas. E sobretudo gente morta.

Se houvesse uma política habitacional para a população mais carente, tal tragédia não teria acontecido. Sem essa política, onde a população vai morar? Onde é irregular, onde é ilegal; enfim, para onde foi empurrada pela especulação imobiliária em razão do preço da terra. Essas pessoas só conseguem algum tipo de abrigo, nada digno, em locais de risco.

É preciso ainda valorizar a dimensão ambiental do planejamento urbano e territorial em consequência das mudanças climáticas, como ressaltado em manifesto aos candidatos nas eleições de 2022 lançado pelo Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil e mais seis entidades representativas dos arquitetos e urbanistas brasileiros. A Carta aos Candidatos propôs uma agenda que priorize a qualidade e o cuidado com a vida da população brasileira.

O momento é propício para colocar essa agenda em prática. Todos os municípios com mais de 20 mil habitantes estão, por dever legal, revendo seus planos diretores, considerando os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, a Nova Agenda Urbana e o pacto climático do Acordo de Paris.

A arquitetura e o urbanismo têm muito a contribuir com as revisões dos planos diretores, ajudando prefeitos, vereadores e comunidades na definição dos territórios seguros para as habitações dos mais pobres, reconhecendo a intensidade das alterações climáticas, em busca de maior justiça e resiliência para as cidades brasileiras. Nessa perspectiva, a continuidade da integração das autoridades públicas vista nos últimos dias será essencial.

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