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Ubiratan Cazetta

Lula deve adotar a lista tríplice na escolha do procurador-geral da República? SIM

Indicação parte de quem conhece os aspirantes e a coerência de suas atuações

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Ubiratan Cazetta

Procurador regional da República, é presidente da ANPR (Associação Nacional dos Procuradores da República)

A democracia é uma obra incompleta, que exige cuidados diários para que se fortaleça e se consolide. É, em larga medida, uma ideia contraintuitiva para uma sociedade como a brasileira, cuja história é marcada por longos períodos de ditadura e que vive, não sem percalços, seu mais longo período de estabilidade institucional.

Tal incompletude não é uma fragilidade ou defeito da democracia, mas, sim, uma virtude, que cobra o compromisso renitente de agir e pensar processos e ritos, decisões que demonstrem o real compromisso com ideais republicanos.

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Sede da Procuradoria-Geral da República, em Brasília - Marcelo Chello/CJPress/Folhapress

Democracia não se faz com discurso vazio ou retórico, nem com um olhar apegado ao formalismo que despreza a essência das decisões e suas consequências. O legado de nossas ações é muito mais concreto do que a fluidez de nossas palavras.

A discussão sobre a lista tríplice está na encruzilhada entre o apego a uma ausência de regra expressa que obrigue um rito para a escolha do procurador-geral da República e o olhar prospectivo para o resultado concreto da forma de indicação.

De um lado, um modelo em que não se sabe quem são os candidatos, não se conhece a forma como os nomes chegam ao presidente da República e nem se permite um debate público sobre seus compromissos. De outro, um processo em que a transparência se inicia com candidaturas, permite um olhar sobre a coerência entre o presente e o passado de tais pessoas, a forma como conduziram suas carreiras no Ministério Público Federal (MPF), como se posicionaram nos momentos cruciais de crise, como lidaram com temas como direitos humanos, indígenas, meio ambiente, racismo e as desigualdades, o pensar sobre as questões criminais —assuntos que, na essência, caberão ao procurador-geral conduzir no Supremo Tribunal Federal e na liderança do MPF.

Em favor da opacidade, tem-se a falta de uma regra constitucional expressa que dê ao MPF o mesmo tratamento que foi dado aos demais 29 Ministérios Públicos brasileiros, em que a lista tríplice é uma realidade desde a década de 1980, mas que remonta ao período colonial.

A razão histórica para a ausência da lista tríplice para a PGR decorre do fato de que, até 1988, o procurador-geral era o advogado-geral da União. A situação, embora alterada formalmente em 1988, somente se tornou realidade em 1993, quando a AGU passou a existir de verdade. Até 1993, portanto, ser PGR era, também, ser AGU, um cargo que o presidente da República pode demitir livremente. Hoje a realidade é outra, e o PGR tem que ser autônomo e independente do governo, em mais um dos mecanismos que enriquecem a nossa democracia.

Os críticos ao modelo certamente trarão o argumento de que a lista é corporativista, já que organizada por uma entidade privada. O argumento, formal, foge da discussão essencial. A inclusão da lista tríplice na Constituição Federal é uma bandeira histórica do MPF, e a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) é o canal pelo qual a luta se processa, com as mesmas regras utilizadas nas outras listas tríplices —em que votam os membros ativos do MPF, associados ou não. A ANPR é mero agente de execução da lista.

Conhecidos os candidatos ao cargo, a instituição faz o primeiro dos crivos, com o olhar de quem convive com os pretendentes e percebe a coerência de suas atuações.

Dá-se então à sociedade e ao presidente da República um leque de opções para que se faça um segundo filtro, político, que será objeto de uma terceira checagem, com a submissão do nome ao Senado.

Ao presidente, democraticamente eleito, reservou-se a legitimidade da escolha, que não se resume a um nome, por melhor que seja. Esta será um gesto que lega ao futuro compromisso com o ideal republicano ou a manutenção de um retrocesso instituído em passado recente. São lícitas as escolhas, mas diferem na mensagem que transmitem.

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