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Luiza Batista, Jéssica Pinheiro e Márcia Soares

A PEC das Domésticas e os direitos ainda devidos

Lei não é excesso de burocracia, mas conquista diante da herança escravocrata

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Luiza Batista

Trabalhadora doméstica aposentada e coordenadora-geral da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas

Jéssica Pinheiro

Advogada, é coordenadora da Área de Trabalho Doméstico na Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos

Márcia Soares

Advogada, é diretora-executiva e fundadora da Themis - Gênero, Justiça e Direitos Humanos

Editorial desta Folha ("Intenções e resultados", 26/3) afirmou que há uma obsessão por leis no Brasil. Tal ideia, no entanto, ignora um aspecto fundamental: a regulamentação também existe para equilibrar relações jurídicas que são desequilibradas desde sua origem. Nem sempre este é o caso, mas, ao analisar a PEC das Domésticas e a construção desta norma, o aspecto ora proposto é observado: a lei não é excesso de burocracia, é conquista de direitos, que tardou muito em nosso sistema jurídico e tarda, ainda mais, em nosso pacto civilizatório.

A Consolidação das Leis Trabalhistas brasileira data de 1942, mas a trabalhadora doméstica só teve seu direito à carteira assinada assegurado em 1972, quando foi reconhecida como categoria profissional. A legislação ainda previa o direito a férias, mas não equiparava direitos de outros trabalhadores, como o FGTS e a jornada de trabalho. Vê-se, assim, que a conquista de direitos foi progressiva e paulatina, passando pela Constituição Federal de 1988 e culminando com a PEC das Domésticas e a lei 150/2015.

Não há nenhum motivo legal para que as trabalhadoras domésticas não tivessem seus direitos reconhecidos ainda em 1942, junto com os outros trabalhadores do país. O trabalho doméstico no país é exercido em sua maioria por mulheres: são 92% e, dentre elas, 67% negras. Elas estão no epicentro da discriminação racial, de gênero e de classe. Além disso, o trabalho doméstico é ainda mais subalternizado, pois ocorre de maneira isolada dentro das casas.

A resistência em firmarmos o pacto civilizatório de reconhecimento dos direitos das trabalhadoras domésticas reside na herança escravocrata que persiste no imaginário social da branquitude. Para muitos, o lugar da trabalhadora doméstica é de "quase da família", desde que seja servil e obediente e, sobretudo, sem direitos. Portanto, na maioria dos casos, não vai importar a qualificação dessa profissional, pois nem como profissional ela é reconhecida por uma parcela da população. É preciso ressaltar ainda que, diferentemente do que afirma o editorial, a formalização da categoria não caiu em razão da existência da legislação. Há uma série de fatores envolvidos na baixa formalização, além dos já citados. Existem fatores políticos e socioeconômicos a serem frisados, pois pouco tempo após a promulgação da lei complementar de 2015 o país passou por um governo antidemocrático.

Não obstante, não há dúvidas dos avanços alcançados pela categoria ao terem os direitos conquistados, pelos quais lutam há 80 anos. Portanto, esse é um processo de reconhecimento, que visibiliza e traz a discussão do trabalho doméstico para o centro do debate público, especialmente durante a pandemia de Covid-19. Para que todos avancemos, é imprescindível reconhecer o trabalho doméstico como aspecto fundamental da vida, não colocá-lo em um lugar de banalidade do cotidiano. Sem o trabalho doméstico, seja ele remunerado ou não, não existiria o mercado de trabalho em si.

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