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Raul Cutait

Ensino deficiente leva a mais erros médicos

Proliferação de faculdades de baixa qualidade tende a agravar problema

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Raul Cutait

Professor do Departamento de Cirurgia da Faculdade de Medicina da USP e membro da Academia Nacional de Medicina

Com a leitura de que faltam médicos no Brasil e com o louvável objetivo de se levar profissionais a todos os rincões, nas últimas duas décadas dobrou-se o número de faculdades de medicina país afora.

Assim, em números redondos, passamos de 200 para 400 escolas em funcionamento ou autorizadas, que formarão quase 50 mil novos médicos/ano —aos quais, com as 225 que aguardam sua liberação pelo MEC após recentemente ter cessado a moratória de cinco anos para abertura de novos cursos, poderão se somar mais 22 mil médicos/ano.

Aula com simulação de atendimento na faculdade de medicina da Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo (SP) - Adriano Vizoni/Folhapress - Folhapress

Ora, mesmo havendo no momento a discussão sobre a presente falta de médicos no país, em menos de uma década haverá uma saturação do mercado, frustrando os jovens que colocaram seus sonhos numa carreira que talvez não consigam exercer em sua plenitude, além dos custos para chegar lá (o curso médio de uma faculdade particular é de pouco mais de R$ 8.700 por mês).

Essa enxurrada de novas faculdades se depara com dois obstáculos essenciais para a formação de um bom médico: 1 - disponibilidade de corpo docente, uma vez que no Brasil não existem profissionais qualificados ou titulados em número suficiente para tantas faculdades, em especial nas áreas clínicas; e 2 - faltam centros de treinamento apropriados para o ensino à beira dos leitos, uma vez que hospitais do SUS em geral não têm dinâmica, estrutura e vocação para receber estudantes, nem seus médicos têm obrigatoriamente o pendor e competência para ensinar.

Dessa forma, configura-se um cenário que só tende a agravar um eterno problema: o do erro médico. Embora este possa não ter maiores consequências, pode vir a significar a diferença entre a vida e a morte, entre a boa evolução e aquela com desnecessárias sequelas. Entendendo-se que a medicina não é uma ciência exata e que a formação do médico é altamente complexa, só se consegue minimizar o risco de erros com médicos bem preparados.

Vivemos um período crítico, onde a busca de quantidade de profissionais está inexoravelmente se superpondo à qualidade de sua formação, o que, já a médio prazo, será problemático para a população, pois médicos mal preparados seguramente erram mais! Fica então a pergunta: o erro médico deverá ser imputado somente ao médico? Obviamente, se a causa for imperícia, imprudência ou negligência, ele terá que responder por isso. Mas se for por despreparo decorrente de ensino e treinamento insuficientes, qual a parcela de culpa da faculdade? E a do MEC, ao permitir o funcionamento de faculdades que não preparam de maneira apropriada seus alunos? Isso sem considerar as restrições do próprio sistema de saúde, quando não oferece as condições necessárias para o bom atendimento dos pacientes.

Definitivamente, formar médicos a granel não é a melhor solução para o país. O caminho é focar em formar melhores profissionais. A falta de médicos, mais acentuada em localidades menores, deve ser repensada com a criação de novas políticas públicas, aproveitando novas tecnologias cada vez mais accessíveis, tais como telemedicina, inteligência artificial e, muito possivelmente, um sucessor do ChatGPT.

Assim, é fundamental que sejam tomadas medidas que incluam avaliação rigorosa e continuada das faculdades, dos centros de treinamento e dos alunos, sob a égide do MEC, com apoio, incentivo e parceria já manifestados pelas principais entidades médicas do país. A definição de critérios realmente eficazes de avaliação e controle permitirão que se defina quem pode ou não ficar no mercado de ensino, seja público ou privado, de modo inclusive a suplantar interesses políticos e econômicos. Em prol da população.

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