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Kenarik Boujikian e Mariana Boujikian Felippe

Genocídio armênio: rememorar para não repetir

Os caminhos de ódio que compõem os extermínios precisam ser detidos

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Kenarik Boujikian e Mariana Boujikian Felippe

Desembargadora aposentada do TJ- SP e cientista social e antropóloga (USP-FFLCH), são, respectivamente, neta e bisneta de sobrevivente do genocídio armênio

Neste mês de abril, armênios de todo o mundo rememoram o genocídio (1915-1923) que vitimou seus ancestrais que viviam no Império Turco-Otomano. É conhecido como o primeiro genocídio não colonial e serviu como protótipo para outros que ocorreram no século 20, como o Holocausto nazista e Ruanda.

O modelo de extermínio que foi praticado contra a minoria armênia é diverso do que os colonizadores praticavam até então. O caso dos herero e nama, na Namíbia, perpetrado pelo Império Alemão (1904-1097), bem como as ações de colonos contra populações indígenas, caracterizavam-se pela vinda de estrangeiros que dizimavam os locais. O genocídio armênio, por sua vez, se diferencia por marcar uma tendência moderna, na qual o "Estado passa a perseguir membros de uma população totalmente incorporada à nação, utilizando seu aparato burocrático e poderio militar contra cidadãos (...)" (FELIPPE, Mariana Boujikian, Memórias de um genocídio e identidade armênia na diáspora, USP).

Procissão em memória dos mortos durante o 106º aniversário do genocídio armênio, em Yerevan - Karen Minasyan - 23.abr.21/AFP - AFP

Os genocídios carregam carga extremada de ódio e intolerância. Lembrar, contar e saber de suas ocorrências é uma homenagem para todos que tiveram vidas ceifadas, mas, especialmente, é uma forma de recontar a história da própria humanidade para que esse ódio não encontre terreno na vida social e não se veja mais a repetição de crime da mais alta gravidade.

O dia 24 de abril é o marco para rememoração, pois foi nesta data, em 1915, que centenas de escritores, artistas, eclesiásticos, professores e lideranças da comunidade foram presos e assassinados. Tantos outros foram executados nas caravanas da morte, que obrigaram milhares de armênios a percorrerem o deserto Sírio de Deir Zor sem água ou alimento para que definhassem e morressem.

É necessário reconhecer e nominar o genocídio para que a memória coletiva da humanidade seja dignificada, assim como fizeram vários países. Espera-se que o Legislativo brasileiro institua o dia 24 de abril como o Dia de Homenagem às Vítimas e de Reconhecimento do Genocídio do Povo Armênio.

Em alguma medida, o intento genocida se faz eficaz ainda hoje, pois seu objetivo é o apagamento e o silenciamento. Não se trata tão somente dos corpos que ficaram pelo deserto, mas também um ataque aos costumes, às relações sociais, à sua memória e identidade como povo.

A identidade de um povo se constitui de muitos elementos, e o espaço físico é certamente um deles. A Armênia tem posição geográfica estratégica, já que fica no enclave Europa e Ásia, localizada entre o mar Negro e Cáspio, que tem idioma próprio e único. No ano de 301 se tornou a primeira nação a adotar o cristianismo como religião oficial. Parte da amálgama da identidade armênia é a língua, a religião e também seu território ancestral. O Monte Ararat, um mito fundador da cultura armênia, que remete ao episódio bíblico da arca de Noé, pousada em seu cume, está até hoje em território turco.

Nos dias de hoje, reconhecer o genocídio armênio é o mesmo que gritar para que ele não se repita e para que a violência contra esse povo não se perpetue. Em pleno ano de 2023, o mundo convive sem protestar com mais uma violência: cerca de 130 mil habitantes da região conhecida como Artsakh (ou Nagorno Karabakh), historicamente habitada por armênios, estão sem acesso a provimentos básicos. O fechamento do corredor de Lachin, estrada que dá acesso à Artsakh, impede que bens de sobrevivência cheguem até à população local. Querem forçar novas caravanas, para que saiam do seu território histórico.

Os caminhos de ódio que compõem os genocídios precisam ser detidos.

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