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Paulo Feldmann

Indústria, volver

Seria irresponsável não investir em biotecnologia, genética e ciências da vida

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Paulo Feldmann

Professor de economia da USP, é pesquisador na área de política industrial da Universidade Fudan (China)

A experiência internacional demonstra que é muito raro um país emergente conseguir dar um salto e livrar-se das armadilhas que o prendem ao atraso. Os casos de sucesso mais conhecidos são Japão, Coreia do Sul e China. Todos têm em comum o foco na indústria: criaram condições para avançar na manufatura e deixaram a condição de países voltados para a produção de commodities.

Interessante observar que, com o Brasil, aconteceu o contrário. Nos anos 1980, estávamos entre os oito maiores produtores industriais do mundo. Éramos um país com uma incrível diversificação industrial. Sabíamos produzir quase tudo, incluindo aviões, computadores, vacinas, qualquer produto eletrônico e seus componentes, como semicondutores. Claro que alguns desses produtos eram mais caros que os análogos feitos em outros países e, por vezes, a qualidade era sofrível —o que gerava muitas críticas.

Trabalhador da Usiminas em Ipatinga
Funcionário trabalha no alto-forno da siderúrgica Usiminas, em Ipatinga (MG) - Alexandre Mota - 17.abr.2018/Reuters - REUTERS

E nesse clima, em 1989, foi eleito um presidente da República, Fernando Collor, cuja campanha eleitoral criticava a qualidade de nossos produtos, inclusive classificando os automóveis aqui produzidos de "carroças".

Collor alegava que o produto nacional não prestava, pois não era exposto à competição internacional. O que se dizia à época é que, na medida que o produto brasileiro fosse obrigado a competir com o estrangeiro, sua competitividade melhoraria, e a indústria brasileira iria evoluir em qualidade e sofisticação —e os preços cairiam.

Passados pouco mais de 30 anos, sabemos que retrocedemos. Hoje não estamos nem entre os 17 principais produtores industriais do mundo, e a manufatura, que era a quarta parte do nosso PIB naquela época, atualmente não representa nem 9%.

O fato é que estamos nos tornando, novamente, um país agrícola. Pior: baseado em dados do Banco Mundial, o professor José Oreiro, da Universidade de Brasília, aponta que a desindustrialização mais intensa do mundo ocorreu no Brasil.

O importante é entender qual foi o nosso erro. Evidentemente, não foi simplesmente a abertura das importações, mas sim a forma realizada. O empresário brasileiro não teve tempo para se preparar, pois a abertura foi abrupta, de uma hora para outra. A indústria têxtil, que era altamente exportadora e gerava milhões de empregos, sucumbiu em menos de cinco anos. O mesmo com a de calçados. Se tivessem sido estipulados prazos e condições especiais para que as empresas brasileiras se modernizassem, com o BNDES a oferecer financiamento e crédito, por exemplo, teria sido possível evitar a quebradeira da indústria nacional.

Mas o pior de tudo foi a falta de um plano para o país e de uma estratégia industrial, deficiências que perduram até hoje. Esse plano definiria, para cada segmento da economia, quais as chances de os mesmos avançarem. Concomitantemente, uma avaliação detectaria os setores em que o nosso país teria de fato vocações e habilidades para investimentos —sem despender, assim, tempo e recursos desnecessários.

Para os setores priorizados, há que se começar a formar os respectivos especialistas desde já. A isso se chama política industrial. Há um ano, o presidente dos EUA, Joe Biden, lançou sua proposta: analisou praticamente todos os setores industriais norte-americanos e estabeleceu quais são os mais e os menos prioritários para o desenvolvimento do país nos próximos anos.

Não costumamos planejar nada no Brasil e, por isso, perdemos muitas oportunidades nos mais diversos setores. Continuar agindo dessa forma seria uma enorme irresponsabilidade, pois poucos países têm uma relação tão íntima com as próximas ondas tecnológicas, como biotecnologia, genética e ciências da vida.

Temos tudo para dar certo, principalmente por conta da nossa riqueza decorrente da biodiversidade da floresta amazônica e do alto nível dos profissionais de algumas áreas ligadas à saúde. Para nos tornarmos protagonistas, precisamos apenas de plano e estratégia. Caso contrário, as empresas privadas não vão se aventurar nessas áreas e não chegaremos a lugar algum —como aconteceu das outras vezes.

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