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Geni Nuñez

O pecado do nomadismo e seus marcos temporais

Marco temporal pressupõe sedentarismo de povos que se movem

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Geni Núñez

É doutora em ciências humanas (UFSC), mestre em psicologia social (UFSC), psicóloga e escritora. É ativista indígena e membro da Articulação Brasileira de Indígenas Psicólogos/as (ABIPSI) e da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal de Psicologia.

O Brasil não foi apenas invadido, foi também inventado. Essa nação cuja língua e religião oficiais são o português e o cristianismo surge em 1500; nós, indígenas, somos anteriores a essa ideia de Brasil.

Essa nação colonizadora nega e deslegitima as centenas de línguas indígenas, de cosmogonias, de outras espiritualidades que aqui ainda persistem e diz que apenas seu deus, língua e costumes são verdadeiros e evoluídos e todos os demais são falsos, atrasados.

Um dos primeiros pecados inventados pelos padres foi o pecado do nomadismo ("Cartas Jesuíticas, 1517-1570", do padre Manoel da Nóbrega). Para eles, era impossível catequizar um povo em movimento. Já em nossas cosmogonias, a saúde está exatamente no movimento.

'A Primeira Missa', quadro do pintor Victor Meirelles que retrata o início da imposição católica no Brasil - Reprodução de Ricardo Moraes - 15.dez.06/Folhapress

O pecado do nomadismo é uma das inspirações religiosas da tese do marco temporal em julgamento no Supremo Tribunal Federal. Nela acredita-se que só teria direito à demarcação aquele povo que estivesse exatamente no mesmo local na data da promulgação da Constituição. Mas como exigir fixidez de povos que se caracterizam pela caminhada e movimento? Como perguntar quem é o "verdadeiro dono" se entendemos que nós é que pertencemos à terra, somos a terra e que ela não é um produto?

Esse Brasil de monoculturas tenta impor seus marcos temporais em nossos povos, colocando seus ponteiros como se fossem universais. Sem o direito ao território, estarão assinando a sentença do extermínio de nossas línguas, costumes, modos de vida.

Esses marcos têm ferido e machucado a terra, suas florestas, rios, gentes. É nele que se acentuam grandes psicopatologias deste tempo, como depressão e ansiedade. Este tempo, comprimido e acelerado, não é violento apenas contra nós, indígenas, mas contra todos os seres.

Pedimos que nos deixem viver nossos tempos, esse tempo que não é dinheiro, mas vida.

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