Quanto vale aprender ciência?
Uma visão rápida sobre o mundo desenvolvido nos dá uma resposta: vale, no mínimo, um país. Como então pensar em construir um país em que a ciência hoje começa a se diluir, ou mesmo sumir, para boa parte dos estudantes de 11 a 18 anos no Brasil?
Essa introdução serve para contextualizar uma homenagem. Nesta segunda-feira (5), a professora de química Lucy Sayão Wendel, que deu aula em colégios públicos paulistanos, como o Roosevelt, e particulares, como o Mackenzie e o Santa Cruz, completa 100 anos de vida —ao menos metade deles dedicados a disseminar a ciência e o pensar científico.
São 100 anos que devem ser lembrados como parte do grande debate nacional hoje, que é a educação. Se esse é o grande tema, seu motor principal é o educador. E se esse é seu principal motor, Lucy é um exemplo a conhecer e reconhecer.
Desde cedo, colocou-se a serviço da ciência, sim, mas acima de tudo a serviço da formação de seus alunos. Todos, não apenas daqueles hoje ditos "nerds", imagem por si só discriminatória sobre os que se dedicam ao estudo dos infinitos mecanismos que movem a máquina em que vivemos.
Lucy teve desde sempre a consciência do quanto o pensamento científico e sua disseminação são fundamentais para o desenvolvimento individual e social das pessoas e de sua autonomia intelectual. Vale aqui lembrar um diálogo entre ela e um aluno, em sala de aula. "Professora, eu quero ser jornalista, por que preciso aprender química?", questionou o imberbe e inconveniente estudante, em 1996. "Primeiro, porque cai no vestibular", ela sorriu. "Depois, você não vai querer ser um jornalista sem cultura, que nega a ciência e não sabe entrevistar um cientista, né? Não me faça passar vergonha. Se for, não vá dizer por aí (...) que foi meu aluno", completou.
Esse diálogo bem-humorado foi contado pelo jornalista e escritor Camilo Vannuchi, hoje secretário de Cultura de Diadema (SP), em um ótimo perfil de Lucy que escreveu para uma publicação do Colégio Santa Cruz. À frente de uma das matérias vistas como mais difíceis pelos estudantes do nível médio, Lucy os levava a aprender de uma forma inesperada e fluida, provocando um interesse renovado sobre o assunto.
Muitos de seus ex-alunos foram estudar química pura na universidade, influenciados pelas aulas dela.
Aulas que mostravam que química não é mais difícil do que história, arquitetura, música ou antropologia.
Ou marcenaria, por que não? Desde que pensado e entendido, qualquer saber é acessível a todo ser humano que por ele se interesse. O que é preciso é que se ofereçam os acessos e que se quebrem os tabus que muitas vezes desenham a ciência como uma quimera.
Lucy, em casa e nas escolas em que estudou, do primário à antiga Faculdade de Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, conheceu desde sempre o valor do pensamento científico. Em sua trajetória, soube dividir isso com milhares de alunos que passaram por ela.
Neste seu aniversário de 100 anos, que será comemorado em família, mas também celebrado de longe por tantos ex-alunos, ex-colegas de profissão e admiradores, vale lembrar o exemplo de Lucy. Com ele, vale resgatar o papel da escola e do educador. Vale devolver à ciência o valor inestimável que ela tem para um país.
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