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Repensando a gestão da coalizão

Mudanças institucionais ampliaram a autonomia do Poder Legislativo 

LUCIO R. RENNÓ

O presidencialismo de coalizão brasileiro mudou nos últimos anos, dificultando ainda mais a governabilidade. A gestão da coalizão —distribuição de recursos de poder entre os membros da base e o compartilhamento da agenda de políticas públicas— continua sendo o elemento que explica o sucesso ou fracasso de um governo em sua relação com o Congresso.

Contudo, as ferramentas de poder do governo mudaram nos últimos anos e a condução da coalizão se tornou ainda mais desafiadora. Mudanças institucionais ampliaram a autonomia do Poder Legislativo e passaram a exigir uma nova postura do governo.

Dilma Rousseff (PT) e sua equipe política não entenderam o contexto em que operavam. Apostaram na Presidência centralizadora. Ignoraram que a nova realidade exige delegação de poder e descentralização da autoria da agenda legislativa.

O presidente Michel Temer durante sessão solene de abertura do Ano Judiciário de 2018 do Supremo Tribunal Federal (STF), em Brasília (DF), nesta quinta-feira (1)

As mudanças são de caráter institucional. Primeiro, a tramitação das medidas provisórias (MP) foi alterada. Em 2009, em uma das mais inusitadas formas de se fazer reforma política —respondendo a uma questão de ordem— o então presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer, definiu que o sobrestamento da pauta do plenário, estipulado pela reforma das MPs de 2001, deixaria de valer para alguns tipos de projetos legislativos.

Reduziu-se a capacidade do Poder Executivo de controlar a agenda da Câmara dos Deputados: que não mais era travada pela enxurrada de MPs. O poder de agendamento voltou para a Câmara, ampliou a influência do colégio de líderes e do presidente da casa.

Ademais, a reforma das MPs de 2001 já havia fortalecido o Poder Legislativo ao ampliar seu papel na tramitação, no emendamento e na aprovação de MPs. Desde então, várias destas, inclusive, perderam a validade por decurso de prazo.

O próprio presidente Michel Temer —veja a ironia dos fatos— reeditou MPs, inclusive a que cria órgãos na Presidência, para tangenciar o efeito que ele mesmo havia inovado em sua gestão na Câmara.

Outra mudança diz respeito ao caráter impositivo das emendas orçamentárias dos legisladores brasileiros. Isso limita a capacidade de negociação sobre a execução das emendas pelo Executivo, uma vez que devem ser empenhadas no exercício orçamentário para o qual foram aprovadas.

O que resta ao Executivo é distribuir entre partidos da base aliada as pastas ministeriais, preferencialmente de forma proporcional ao poder dos aliados no Congresso, e ampliar a participação destes na elaboração de políticas públicas e definição da agenda legislativa do governo.

Quando não se pode mais trocar apoio por emendas ou se governar diretamente por medidas provisórias, concessões na definição de políticas públicas e ocupação de cargos passam a ser centrais na gestão da coalizão. Ministros têm o poder da caneta por meio de portarias e da ratificação de leis e decretos, com certa autonomia em sua jurisdição.

Como o compartilhamento da autoria da agenda de políticas públicas passa a ser essencial, a escolha dos membros da coalizão ganha ainda mais relevância.

A proximidade ideológica entre estes evita traições e deslealdades na elaboração das políticas públicas. As eleições legislativas, por sua vez, tornam-se também mais importantes: nossas escolhas para deputado e senador precisam levar em conta o fortalecimento recente do Congresso Nacional. O jogo mudou.

LUCIO R. RENNÓ, doutor em ciência política pela Universidade de Pittsburgh (EUA), é professor associado da UnB e presidente da Companhia de Planejamento do Distrito Federal

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