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Com multa, lockdown e toque de recolher, leitores relatam como está o isolamento fora do Brasil

Para fazer frente ao novo coronavírus, o mundo se fechou; leia relatos de quem está de quarentena fora do país

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São Paulo

Com mais de 3 milhões de casos e mais de 200 mil mortes registradas em 185 países, não é exagero dizer que foi atingido pela pandemia da Covid-19. A maioria dos países adotou medidas de isolamento social recomendadas pela OMS, mudando a rotina de seus habitantes.

Mais de 90% da humanidade mora em países com alguma restrição a viagens, segundo dados do início deste mês do Pew Research Center, dos EUA.

Enquanto alguns países estão na fase mais crítica do combate ao vírus, outros já planejam a reabertura e experimentam relaxar as regras da quarentena. Atingidos em diferentes momentos e graus de intensidade, leitores da Folha que moram fora do país mandam seus relatos.

França

Fui multado pela Polícial Nacional por desrespeito às normas de confinamento logo no segundo dia de vigência do decreto presidencial determinando as medidas de isolamento social.

Desde 16 de março, não podemos sair de casa sem um atestado com nome, data, endereço e a razão do deslocamento. Quando o decreto foi anunciado, formaram-se longas filas em frente aos supermercados. Por isso, foi uma estratégia minha aguardar o segundo dia para ir às compras com a namorada.

Tive preguiça, na hora, de preencher o meu atestado. Quis acreditar que um atestado valeria para nós dois. No caminho, uma policial nos interpelou. Ela enfatizou gentilmente que cada um deveria ter seu atestado e que, à princípio, deveríamos sair individualmente para fazer compras. Fui multado em 135 euros. No final, a policial me perguntou se eu gostaria de assinar. Respondi "não, obrigado".

Respeito o importante papel pedagógico da polícia nesse momento. Para quem lidava com manifestações de coletes amarelos e grevistas até o começo do ano, imagino que este deve ser um trabalho repetitivo, entediante. Caminhando pelo canal Saint-Martin, vejo policiais que interpelam transeuntes, explicam a gravidade da situação e reforçam a importância das medidas de prevenção. Sem dúvida, realidade distinta daquela que se vive nas regiões mais pobres da grande Paris, onde a mesma polícia age muitas vezes de forma violenta.

Estamos cientes do nosso privilégio. Estamos confinados nas proximidades do canal, ponto turístico de Paris onde as pessoas têm o hábito de fazer piquenique quando o tempo é propício. Saio para correr ali duas vezes por semana e, de fato, o canal está bastante movimentado. Encontro dificuldade para manter os 2 metros de distância das pessoas. Presenciei conflitos em que habitantes do canal, de suas sacadas, repreendem os transeuntes aos gritos para que fiquem em casa. (Raul Maciel, de Paris)

Austrália

Sinto que estou vivendo em um mundo paralelo. A pandemia parece não ter afetado em mesmo grau o Northern Territory, território australiano onde moro e de onde escrevo. A capital, Darwin, é uma cidade de pouco mais de 130 mil habitantes, cerca de 62% de toda a população do território, e está fora das principais rotas turísticas do país.

Quem passa férias aqui quer acampar, nadar em cachoeiras, pescar e ver crocodilos, mas agora estamos na baixa temporada, o que também contribuiu para o pouco fluxo de turistas. A rápida atuação do governo federal diante da pandemia fez com que o território inteiro se tornasse uma grande quarentena, já que fronteiras e divisas foram fechadas no momento em que havia pouquíssimos casos por aqui, todos eles de pessoas vindas de outras partes do país.

O Northern Territory não registrou nenhum contágio comunitário, o que, somado ao fechamento das divisas, favoreceu no estabelecimento de um clima de normalidade. Nos shoppings, a maioria lojas permanecem abertas e pessoas circulam sem máscara, mas sempre (ou quase sempre) respeitando a orientação de manter no mínimo 1,5 metro de distância. Em todo o país, escolas e creches seguem abertas e recebendo crianças todos os dias, em especial filhos e filhas de quem trabalha em serviços essenciais como exército e saúde.

A quarentena que fui obrigado a fazer foi apenas pelo fato de ter chegado de férias no dia 17 de março, vindo exatamente do Brasil. Desde o dia 9 de abril não há novos casos no Northern Territory e, no âmbito federal, o governo tem feito um ótimo trabalho no achatamento da curva de contágio do coronavírus. A Austrália e, principalmente, o Northern Territory, caminham para um relaxamento das regras de isolamento nas próximas semanas. (Filipe Castilhos, do 0 Northern Territory)

Irlanda

Lembro que recebemos a notícia do primeiro caso aqui na Irlanda: era de alguém que vinha da Itália, desembarcou em Dublin e foi para Irlanda do Norte. Como estudante, eu só comecei a sentir que a coisa estava ficando séria quando fecharam as escolas, pubs e cancelaram o desfile de St. Patrick's Day, evento extremamente importante na cultura irlandesa.

Já imaginaram a Irlanda com os pubs todos fechados? A quarentena foi estabelecida, e algumas semanas depois o lockdown. Hoje podemos sair para compras (os mercados possuem um limite de pessoas e fazem filas do lado de fora com 2 m de distância entre as pessoas) e exercícios ao ar livre, porém em um raio de 2 km e respeitando o distanciamento social.

O governo estabeleceu o benefício de 350 euros semanais, que é destinado a pessoas que perdem seus empregos e aos estudantes internacionais legalizados no país, o que nos ajudou muito no pagamento de contas e aluguéis. As escolas continuaram a oferecer o curso online, mas nem sempre a entrega do conteúdo é satisfatória, o que causa frustrações em alguns alunos e até mesmo professores.

O lockdown está programado para acabar dia 5 de maio, mas provavelmente será extendido. Sinto segurança em estar aqui, acredito que embora algumas pessoas façam festas em casa, quebrem o isolamento, e não respeitem o pedido da OMS, a grande maioria está tentando seguir o recomendado. (Fábio Araújo Nogueira, de Dublin)

Turquia

Há um mês vim para Istambul para visitar parentes que aqui vivem com intuito de retornar ao Brasil em duas semanas. Contudo, fui surpreendida com a Covid-19 no mundo. Desde então, venho buscando meios de voltar ao Brasil, desde voos alternativos incertos até contato com o consulado brasileiro, que apenas nos fornece um formulário de retorno a ser preenchido e condicıonado ao número de pessoas que por meio dele manifestam o mesmo desejo.

Desde a minha chegada a Istambul, vi o crescimento do numero de casos que levou o governo a tomar sérias medidas de combate e precaução. Aqui, pessoas acima de 65 anos recebem em suas casas um “kit Covid” que contém 5 máscaras e uma colonia que substitui o álcool em gel. Qualquer cidadão turco pode se dirigir às farmácias e retirar com um código recebido por celular um total de 5 máscaras.

Em meados de março, logo após minha chegada, o Estado adotou uma política de confinamento total. As pessoas aqui me parecem muito conformadas com as medidas impostas e buscam de alguma forma respeitá-las. Desde então, temos visto um decréscimo no número de infectados e um aumento de recuperados, o que gera esperança e ainda mais força para que todos sigam firmes no propósito da quarentena. (Fernanda Portela, de Istambul)

Sri Lanka

Moro com meu marido e minha filhinha de 17 meses. Aqui, estamos entrando na sétima semana de lockdown completo. O chamado "curfew" (toque de recolher) entrou em vigor repentinamente, no meio de março, dando a nós poucas horas para nos organizar. A princípio duraria 4 dias, então compramos apenas o essencial para nos organizamos melhor depois.

Quatro dias depois, o governo liberou a saída por algumas horas para que as pessoas pudessem ir às compras. O caos se instalou. Multidões em fila nos supermercados, mercearias, etc. Desorganização total. Foi aí que percebemos que teríamos que achar outra solução para as compras. Tudo seria online –mas o país não estava preparado para isso. Desde então, foram multas tentativas com erros e acertos.

A rotina de casa mudou completamente. Meu marido vai trabalhar, pois tem permissão, e eu me viro nos 30 para dar conta de tudo aqui dentro. Ele faz horário reduzido, o que ajuda. Tem funcionado, porém percebo que a cada semana que passa, vamos nos perguntando mais e mais se é assim que vamos viver pelos próximos meses. O governo ainda não deu certeza de quando vai liberar a saída das pessoas. Quanto ao número de casos, o Sri Lanka ainda está com menos de 500 confirmados. (Clara Kuhn, de Colombo)

Estados Unidos

É nesta hora que nós vemos a diferença social. Aqui em San Diego, as pessoas mais simples são as que estão seguindo as regras, ficando em casa e cuidando dos que precisam. Os de mais poder aquisitivo são os que estão indo às ruas, pedindo para abrir seus negócios ou a praia perto de casa. As praias, por sinal, abriram às 6h, e já havia centenas de pessoas surfando.

Se você não usa máscara na rua pode arrumar briga ou alguém gritando: "cadê a máscara?". As escolas e faculdades estão fechadas, e não vão voltar até setembro. Triste, porque todos os eventos de final de ano letivo foram cancelados. E pior, as formaturas tão planejadas.

Os professores estão trabalhando muito. Os alunos receberam computadores para usar em casa e se comunicar com os professores para fazer os deveres. Minha filha e outros colegas levam lição de biologia para o professor na escola e entregam pela janela. Ela tem até aulas de dança e canto, pela internet, com professores da escola.

Lavem as mãos, comam bem, façam exercícios e liguem para os amigos. (Claudia Johnson, de San Diego)

Equador

Em Quito, as medidas de restrição foram impostas perto do dia 13 de março e foram bastante fortes para afetar frontalmente a rotina do equatoriano. As aulas presenciais foram suspensas, e como o ano escolar vai de setembro a junho, ja é certo que as crianças não vão retornar mais às classes nesse período letivo.

Estamos sob toque de recolher das 14h às 5h todos os dias e cada veículo só pode circular um dia por semana; aos sábados e domingos, não pode haver circulação veicular. Para as pessoas entrarem nos supermercados, precisam ir muito cedo, pois as filas são enormes e precisam estar necessariamente com luvas e máscaras. Além disso, só pode entrar uma pessoa por família.

Apesar de todas as restrições, o nível de contágio tem sido proporcionalmente elevado. Mas em Quito as coisas parecem estar sob controle, porém não há tranquilidade, pois se sabe que Guaiaquil, cidade que dista aproximadamente 600 km, as pessoas estão morrendo de forma descontrolada. A rotina da minha família tem sido ditada pela quarentena.

Apesar de tudo, estamos confiantes em Deus de que logo tudo isso vai passar e poderemos aproveitar melhor esse país formidável que nos acolhe com tanto carinho. (Marcos Enoch da Silva, de Quito)​

Inglaterra

Vim para Londres visitar meu namorado, que é inglês, no começo de janeiro. Meu plano era ficar até abril, mas meu voo foi um dos muitos cancelados devido ao coronavírus. Estou fazendo a quarentena na casa dos meus sogros há 5 semanas, sem saber quando vou voltar para o Brasil.

Ainda mantenho contato com a minha família por meio das redes sociais, mas é difícil pois não sei quando vamos nos ver de novo. Passo a maior parte do tempo dentro de casa com meu namorado, que é autônomo e parou de trabalhar por causa da pandemia. Meu sogro ainda está trabalhando, pois é carteiro e esse serviço é considerado essencial.

Saímos de casa só para comprar comida e de vez enquanto para caminhar (aqui é permitido sair para fazer exercício físico uma vez por dia). Estamos tentando manter a mente ocupada com atividades pequenas, mas ainda assim é difícil não se preocupar diante da situação. O lado positivo é que tenho conhecidos aqui e um lugar para ficar, pois sei que há muitos brasileiros em uma situação muito pior do que a minha. (Juliana Soares Ketzer, de Londres)

Paraguai

O Paraguai é um país bastante quente e úmido, prato cheio para a dengue que neste ano matou 46 pessoas e colapsou o sistema de saúde. Mal se recuperava da dengue, o país teve que enfrentar a pandemia da Covid-19.

As medidas restritivas foram rápidas e duras, com restrição total de circulação entre 20h e 4h e suspensão de aulas. Duas semanas depois, já entrávamos em um sistema de quarentena total com fechamento de todo o comércio e autorização apenas para compras de supermercado, farmácia e visita a hospitais. Este sistema perdura até este momento, 27 de abril, e está previsto para mudar por um sistema de "quarentena inteligente", que iniciaria a partir do dia 4 de maio.

O plano de quarentena inteligente implica o cumprimento de quatro fases, que dependerão da evolução e do monitoramento da pandemia no território paraguaio. Até agora o país conta com 228 casos confirmados e 9 mortes pelo novo coronavírus. (Luis Eduardo Wexell Machado, de Grande Assunção)​

Islândia

Moro na Islândia há 8 me ses, no norte do país. O comércio aqui nunca foi totalmente fechado; as lojas que pararam foram por opção. Restaurantes, bares, casas noturnas, piscinas públicas, academias, museus, salões de beleza e cassinos foram obrigados a fechar.

As fronteiras também não foram completamente fechadas, mas por um acordo entre os países da área de Schengen, somente é permitida a entrada de residentes dos países que também façam parte do acordo. Escolas primárias não fecharam, mas tiveram algumas mudanças para que não haja mais de 20 pessoas na mesma sala. As de ensino fundamental e as faculdades estão paradas.

Eu estava trabalhando em um café que fica localizado dentro da biblioteca da cidade, mas foi fechado. Como eu não cheguei a trabalhar por 6 meses, não tenho direito ao seguro-desemprego que é oferecido pelo governo. Meu marido trabalha em uma fábrica de silício e está fazendo 50% de sua carga horária habitual desde o dia 8 de abril. A empresa paga metade do salário e, por uma ação para manter a economia no país, o governo paga mais 40%.

Como as regras aqui não foram muito restritas, é possível ver muita gente na rua, principalmente fazendo atividades físicas como caminhada, corrida, andar de bicicleta e de patinete. (Tássia dos Reis Moraes, de Akureyri)

Suécia

Moro em Uppsala, cidade localizada a 70 km da capital Estocolmo, e a quarta maior do país. Diferente dos outros países nórdicos, a Suécia não tomou atitudes mais enérgicas de combate a pandemia da Covid-19. Creches e escolas similares ao ensino fundamental, bares, restaurantes e lojas não fecharam e funcionam normalmente.

Muitas pessoas estão trabalhando de casa e eventos com grandes aglomerações foram adiados ou cancelados, mas ainda nenhuma medida mais drástica de isolamento ou distanciamento social foi tomada. Com a chegada da primavera, os dias mais longos, o sol mais forte e as temperaturas cada vez mais altas, percebe-se que há mais gente nas ruas, nas praças, no parques e nas áreas comerciais, sem máscaras e aparentemente sem nenhum medo ou preocupação com a nova infecção viral.

Os suecos são particularmente reservados, e demonstrar emoções –sejam de medo, ansiedade ou fraqueza– em público não é bem visto. Nesta pandemia, parece que essa marca cultural ficou mais nítida. Saio apenas para ir ao mercado a cada 15 dias. Vejo as pessoas andando em grandes grupos tranquilamente, sem manter uma distância adequada de outros transeuntes.

Fico sempre muito confusa, sem saber se a pandemia não está preocupando a Suécia, mesmo com já mais de 18 mil casos e mais de 2.000 mortes. Ou se os suecos não querem demonstrar o que realmente sentem frente a uma pandemia. (Ana Paula Nascimento de Lima, de Uppsala)

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