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Aulas online, falta das pessoas e demissões; leitores relatam o que mais odeiam na quarentena

Isolamento social para conter o avanço do coronavírus impõe mudanças na rotina de todos

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São Paulo

O período de isolamento social imposto pela crise do coronavírus traz consequências para todos. Se, de um lado, famílias tiveram que criar novas rotinas, do outro, empresas correram para se adaptar com os funcionários trabalhando remotamente.

As medidas são necessárias para conter o avanço da doença. De acordo com dados divulgados pelo Ministério da Saúde nesta sexta (1º), o Brasil já registra mais de 6.300 óbitos decorrentes da Covid-19 –foram 428 mortes só nas últimas 24 horas. O país é agora o 10º com mais vítimas no mundo.

Mas é fato que as mudanças advindas da quarentena nem sempre são boas. Alguns têm dificuldade em fazer home office –ou pior, estão sem trabalho–, outros sentem falta de andar por parques, lojas e afins. Há a saudade de visitar os entes queridos, ou de tomar uma cerveja com os amigos após o expediente.

Leitores da Folha relatam quais das mudanças impostas pela quarentena mais odeiam.

Sou geminiana, sou da comunicação, sou professora! Professora que gosta de estar com os alunos pessoalmente e não via Zoom [aplicativo de conferência].

Leciono no kindergarten [jardim de infância, em inglês]. Preciso da fala, dos músculos do rosto para poder ensinar os sons das letras. Como fazer isso via aplicativo? Como fazer isso com máscara? Criancas nessa idade não devem ficar em uma tela escutando a professora falar... isso não existe.

Leciono em um escola pública em Miami-Dade. Resolvi, em acordo com os pais, encontrar os alunos online às terças e quintas, mantendo um pouco da rotina da escola. Eu odeio pensar que meus alunos devem estar me odiando nesse momento.

Outra coisa que odeio é que não posso sair de maneira alguma! Somente uma vez por semana para ir ao supermercado, e mesmo assim, vou toda “fantasiada”, com máscaras, luvas, álcool em gel. Meu marido é médico geriatra e não posso colocar em risco a vida de seus pacientes.

Para sentir o vento no rosto uma vez por dia, saio antes das pessoas na rua. Às seis da manhã, todos os dias, levanto para poder ver o nascer do sol –e volto rápido. Não posso correr o risco de passer por perto de ninguém. Não está fácil.

A minha conclusão é que precisamos todos uns dos outros, apesar de não podermos estarmos uns com os outros. Fique em casa! (Renata Argentino, de Miami, EUA)

Sou acadêmica de psicologia e a medida que está me causado sofrimento é o afastamento social.

Tenho um relacionamento de seis anos, somos noivos e moramos na casa de nossos pais. Com os aumentos no número de casos aqui em minha cidade, decidimos parar completamente de manter contato físico. Temos receio de por em risco as nossas saúdes e a saúde de nossos familiares.

Conversamos apenas pelo telefone e por vídeochamada. Confesso que é muito dolorido e os primeiros dias foram os mais difíceis. Não sabemos quando tudo isso vai acabar e quando vamos poder nos abraçar novamente, mas sei que será em breve.

O mais importante é estarmos bem e com todas as pessoas que amamos em nossa volta. Sabemos que a saudade pode machucar, mas a dor da perda é irreparável. (Drielly Pereira, de Macapá, AP)

O que mais odeio são a invisibilidade e a desigualdade.

A quarentena parece que é para todos, exceto médicos e enfermeiros.Mas existem muito mais pessoas que trabalham em hospitais do que parece. Muito mais funções menos glamourosas que têm de entrar em contato diariamente com suspeitos e infectados. Por exemplo, setor de nutrição, lactário, coleta de resíduos, higienização.

Sobre a desigualdade. Quem está de quarentena, fora as escolas? Apenas quem tem renda fixa. Eu e todo mundo que eu conheço está trabalhando. (Renata Schwengber, de Caxias do Sul, RS)

Odeio tudo nessa quarentena...

Sou diretora financeira de uma empresa offshore no Rio de Janeiro. Estávamos na fase final de um contrato de duas plataformas de petróleo. Desde que isso começou, nosso cliente colocou o contrato em força maior. Tivemos que decidir o que fazer com os funcionários, já que não teríamos receita.

Depois que o período de férias se encerrou e a quarentena foi prorrogada, demitimos 30% do efetivo. Agora, com esta nova prorrogação, vamos demitir mais 30%. Eu tenho dois filhos, um de 4 anos e outro de 7 meses; meu marido trabalha na Caixa e está em uma escala de trabalhar semana sim, semana não.

Para quem tem salário garantido e pode ficar em casa tranquilamente vendo Netflix, deve ser mais fácil passar por isso. Mas vendo tanta gente desempregada, com renda reduzida e os informais sem ter de onde tirar dinheiro para comer –e ainda tendo que demitir pessoas que trabalham comigo há anos–, não está sendo nada fácil. Vamos entrar em tempos difíceis, com desemprego, empresas fechando e pessoas sem renda.

Somente um complemento ao relato: não sou bolsonarista. Odeio o Bolsonaro, acho ele lunático, preconceituoso, homofóbico, despreparado... Gostaria que entendessem que existem pessoas que não são bolsonaristas e acham que a imprensa poderia ter uma postura mais positiva em tudo que estamos vivendo. Sei que noticiam o que é verdade, mas também sei que manipulam conforme o que compactuam e é isso que vocês deveriam refletir. (Isabele Pereira da Silva, do Rio de Janeiro/RJ)

Sou professora aposentada, casada, mãe, avó e pintora. Nessa pandemia, sou dona de casa.

Acredito que o distanciamento social para os velhos é muito pior, porque o nosso caminho pela frente é bem mais curto. O que odeio é o descaso do governo satirizando a dor alheia e o aproveitamento disso pelo comércio e políticos.

No que diz respeiro à situação da família, é doloroso, mas não odeio... eu entendo! Nosso afastamento é sofrido e sentido na saudades. Meus netos passavam o final de semana aqui e agora estão nos protegendo em suas casas. Também sinto falta de sair às tardes com minha mãe, de 91anos, que mora sozinha e tem boa saúde. Mas entendo.

Isso me faz refletir que o mundo precisa mudar. Os governos precisam mudar... nós, aqui em casa, estamos bem, com comida, conforto e saudades! Mas e meu vizinho da periferia, que mora mal; pouco come, quando come. Com seis filhos em dois cômodos. O que será que ele odeia? (Elisabeth Beraldo Faria, de Mogi das cruzes, SP)

Mariana, minha terceira filha, nasceu em novembro. Os irmãos gêmeos estavam de férias da escola e estávamos todos de mudança para uma casa mais espaçosa. Por pouco, não enlouqueci.

Quando finalmente os mais velhos voltaram para a escola e a nova rotina foi se ajustando, veio o chato e necessário isolamento social. Logo quando Mariana estava saindo daqueles preocupantes três primeiros meses de vida, e eu já voltava a sentir segurança como mãe, o isolamento chegou. E foi atropelando com todas as neuras com limpeza, com a saudade das avós e com a preocupação com a rotina pseudo-escolar dos meninos.

Para piorar, não há nada de inédito na TV a não ser os recordes batidos diariamente do número de óbitos causados pela Covid-19. São coisas que chateiam, deprimem, irritam. Mas odiar, não odeio, não. Estou mais para resignação do que para o ódio. A esperança me blinda.

Ódio, mesmo, só quando ouço o chefe do poder executivo proferir a sua ignorância em detrimento de todo o esforço da comunidade científica em combater o novo coronavírus. Aí sim, todo a mansidão se torna ódio, tal qual nosso presidente semeia. (Roberta Schmidt, de Niterói, RJ)

O que eu mais odeio nessa quarentena são as aulas escolares virtuais. Não creio que o aprendizado através do computador seja tão eficaz como uma aula presencial. Depende muito da capacidade de concentração do aluno e em casa há distrações demais.

Outra coisa que odeio é a impossibilidade de pegar em algo que você precisa comprar e ter de escolher pela internet. Olhar de perto, tocar, ver se o produto é de boa qualidade –isso não é possível em algumas mercadorias. Para mim, são esses os dois pontos piores da quarentena. (Eunice Andrade Souza, de São Paulo, SP)

Sou professor e historiador há quase três décadas. Confesso que minha escolha profissional não foi nem um pouco pensada ou planejada. Quando me dei conta, já estava cursando História. Acho que determinadas escolhas profissionais nem sempre requerem explicações lógicas .

Ser professor é mais que transmitir conhecimento em um determinado ambiente, como a sala de aula. É estar, intimamente, ligado em todas as suas possíveis formas de expressão com o ser humano. A empatia, a sensibilidade, o gesto de carinho, o aperto de mão, o abraço, a mão no ombro como forma de compreensão e de apoio tornam-se essenciais.

O isolamento social nos poda disso. Nos retira a maior essência da vida humana que é o contato direto e afetivo com o outro. Enfrentar uma pandemia é enfrentar um drama psicológico, emocional e mental avassalador. Nesta pandemia, o afastamento e distanciamento humano da afetividade direta são aniquiladores e torturantes. (Marcelo Rebinski, de Curitiba, PR)

O que me mais chateia é a própria quarentena. Até entendo o motivo dela, de meramente evitar uma saturação dos serviços de saúde, permitindo que as pessoas sejam contaminadas aos poucos, e não todas ao mesmo tempo. Mas considero um remédio pior do que a doença, pois afeta financeiramente milhões de pessoas que não teriam problema algum com o virus.

Outro problema é a imprensa, que faz parecer que basta ser infectado e automaticamente você irá sofrer de falta de ar e precisar de internação e entubamento, quando a realidade é que a maioria das pessoas terá no máximo sintomas leves. (Rubens Alves Evangelista, do Rio de Janeiro, RJ)

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