Leitoras da Folha relatam primeiro ano de pandemia

Vida dentro de casa sobrecarregou rotina com filhos, tarefas domésticas e profissão

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A pandemia do novo coronavírus, que já matou mais de 265 mil pessoas no Brasil, piorou desproporcionalmente a vida das mães e mulheres no país e no mundo. A Folha ouviu o desabafo delas sobre esse primeiro ano de restrições e confinamento.

Ana Carolina Amado, professora de química e mãe de dois filhos
Ana Carolina Amado, 39, professora de química e mãe de dois filhos - Arquivo pessoal

Tenho 39 anos e dois filhos. Meu filho mais velho tem 11 anos, o mais novo, 6. Sou professora de química do ensino médio em dois colégios particulares. Assim que o ensino remoto começou, não tinha em casa computador para três pessoas ao mesmo tempo. O meu filho mais velho se adaptou mais facilmente. O mais novo, não. Não abria a câmera, o áudio, não conseguia se concentrar nas aulas. E passou a assistir às minhas aulas. Ficava o tempo todo atrás de mim, me ouvindo, fazendo perguntas e interagindo com meus alunos. No meio de atividade ouvir um “mãe, vem limpar” ou “mãe, tô com fome” se tornou natural.
Ana Carolina Amado (São Roque, SP)

Sou funcionária pública, e as cobranças para fazer home office me fizeram desenvolver depressão e ansiedade com síndrome do pânico, pois não tenho com quem deixar dois filhos bem pequenos, e minha casa não tem infraestrutura para o home office por ser antiga e pequena. Acumulando o trabalho doméstico com os cuidados dos filhos em desfralde, estou sobrecarregada, irritada ao extremo. Ansiedade a mil.
Patrícia Alves Ferreira (Nhandeara, SP)

Fiquei na primeira onda da Covid-19 com meu comércio fechado por seis meses. Não tive como pagar minhas contas de casa, impostos da empresa, contador, aluguel, luz, prestações do apartamento etc. O auxílio emergencial salvou a alimentação de meus três filhos, que comem feito sei lá o quê. Aí você me pergunta: e hoje, como está? Estou péssima, quase louca, porque de novo não consigo pagar minhas contas, sem o auxílio e tendo que conviver com a infelicidade de ter um presidente negligente e irresponsável.
Georgeana Henriques (Salvador, BA)

Sou mãe, professora e doutoranda na UFPR (Universidade Federal do Paraná). Desde o início da pandemia que minha pesquisa de doutorado está parada. Nunca trabalhei tanto como professora para preparar e lecionar o mesmo número de aulas —tendo que fazê-lo de madrugada muitas vezes). Minha casa está uma bagunça interminável. É um acúmulo tão grande e estressante de funções que me vi obrigada a procurar ajuda profissional (remédios) para tentar aguentar a barra.
Candida Palma (Curitiba, PR)

Faço 50 anos no próximo dia 24 de março, sou escritora e jornalista. Deixei de trabalhar para escrever livros e estar mais presente no cotidiano da família em 2014. Vivo com meus filhos e marido, que é arquiteto e dono de uma pequena imobiliária. Ele precisa sair para trabalhar, e meus dois filhos mais novos, de 11 e 14 anos, permanecem comigo. Brinco que eu, próxima da menopausa, meu marido na andropausa e nossos filhos às voltas com a adolescência vivemos numa batalha de hormônios!
Nádia Manzon (Praia Grande, SP)

Sou mãe de três meninas, 16, 11 e 9 anos. Trabalho como secretária em um colégio. Com a paralisação das aulas presenciais em março de 2020, minha vida virou do avesso. Minha carga horária era das 7h às 18h30; com a pandemia, ficou das 6h30 até sabe lá Deus que horas. Era angustiante, minhas filhas quando queriam falar comigo chegavam assim: “Mamãe, eu sei que você está nervosa por causa do seu trabalho, mas eu posso perguntar uma coisa?”. Machucava ouvir isso. Só me preocupava em mantê-las em casa, não deixava faltar nada, como comida, roupa limpa e casa arrumada, mas o principal eu deixei faltar que foi atenção e paciência.
Juliana Sales (Guarulhos, SP)

Sou mãe de um jovem em início de carreira. Sou filha-mãe de dois idosos, meus pais, principais vítimas da pandemia. Sou amiga-mãe de pessoas queridas que, como eu, cuidam de suas famílias. Mas, e eu? Também preciso de mãe, de colo. Em meio à pandemia, ser mãe é exercer o papel de leoa-mãe. É manter as finanças sob controle. É trabalhar as emoções sem desestabilizar a família. É conversar com as panelas e armários enquanto o distanciamento durar. É não esmorecer. É ser mãe de mim mesma.
Angélica Bodendörfer (Curitiba, PR)

Meu marido e eu temos três filhos. Não trabalho fora desde o início de 2019, quando pedi demissão para me dedicar ao tratamento do meu filho que havia sido diagnosticado com autismo. As crianças iam à escola no período da tarde, horário ao qual eu levava meu filho para o acompanhamento com fonoaudióloga, psicóloga, psiquiatra, psicopedagoga e neurologista. Nos dias sem consulta, me dedicava aos afazeres domésticos. Com a pandemia, me vi sozinha com os pequenos 24 horas por dia. Mudei a forma de fazer as coisas diversas vezes a fim de encontrar uma maneira menos desgastante, porém sempre resta uma ponta solta. Recorri a uma consulta psiquiátrica. Comecei a ter insônia, crises de ansiedade e choro, além de fobias. Fui diagnosticada com TOC (Transtorno Obsessivo Compulsivo) e depressão. Hoje vivo um dia de cada vez. São três vidas me requisitando o tempo todo.
Amanda Domingos Franco (Poá, SP)

Sou mãe, fui empresária de 2016 até o ano passado. Saí em agosto [da empresa] e entrei em processo de divórcio. Fui empregada em cargo de liderança, mas me demitiram cinco meses depois. Não tenho direito a seguro-desemprego porque era empresária. Resumo: desempregada, sem empresa, sem auxílio emergencial e sem seguro desemprego. Além de tudo isso a responsabilidade de começar a alfabetizar uma criança de 7 anos.
Grazielli Silva (Santa Rosa, RS)

Sou mãe de três crianças pequenas. O início da pandemia me pareceu muito difícil, pois como eu e meu companheiro temos horários flexíveis, era a escola das crianças que estabelecia o ritmo da casa. Após duas quebras de pratos que materializaram todo meu descontentamento com a nova dinâmica, acabei me conformando. Consigo contar nos dedos de uma mão as vezes que fiquei sem cuidar de alguma criança em 2020. Por mais que tentemos dividir o trabalho doméstico, a casa está sempre uma zona e a culpa recai sobre mim.
Melane de Leon (Nova Friburgo, RJ)

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