Ricardo Silveira pisou pela primeira vez em um estádio de futebol aos setes anos de idade. Era dezembro de 1974 e o seu pai o levara para ver uma partida entre o São Paulo e o Juventus, no estádio do Pacaembu, na capital paulista. As primeiras impressões de garoto continuam vivas. "O gol com 100 metros de largura e um espaço que poderia conter 1 milhão de pessoas".
Do tobogã, uma das arquibancadas do estádio, Silveira guardou na memória o fardamento grená do clube da Mooca, mesma cor do seu uniforme de escola, e o azul-claro que estampava a camisa do goleiro Bernardino, do Juventus.
Quase cinco décadas depois, foi na Folha que ele viu as imagens de três escavadeiras começarem a destruir o setor que o "batizou" nos campos. A demolição da arquibancada, onde tradicionalmente ficavam pessoas com ingressos mais baratos, começou na terça-feira (19) e deu início à reforma do estádio municipal Paulo Machado de Carvalho, mais conhecido como Pacaembu, agora entregue à iniciativa privada. "Bateu forte aqui. Assim como o tobogã, a escola da minha infância foi ao chão. O tempo é demolidor", conta ele.
A Concessionária Allegra Pacaembu assumiu a gestão do equipamento por 35 anos em janeiro de 2020 — e prevê investir até R$ 400 milhões até o fim de 2023. Um edifício de nove andares tomará o lugar do tobogã, cinco deles acima do solo e outros quatro, abaixo.
O espaço receberá lojas, escritórios de coworking, restaurantes e eventos, mas, principalmente, deixará saudosos milhares de torcedores que assistiram a jogos de futebol no espaço.
Sahur Silva, 24, é mais um entre eles. Em 2014, o Palmeiras, time do seu coração, lutava para não ser rebaixado no ano do seu centenário. Após sofrer um gol numa partida contra o Grêmio, o desastre parecia inevitável. Até que um empate reanimou os jogadores. Aos 30 minutos do segundo tempo, não deu outra —o time virou a partida e levou a torcida alviverde ao êxtase. "Cantávamos como se estivéssemos sendo campeões da América", diz ele.
"Nesse dia só reforcei o amor que sinto pelo meu time e o amor que sinto pelo estádio do Pacaembu, em particular pelo tobogã, que tinha esse poder. Você olhava para o lado e via no rosto do torcedor que vocês pertenciam àquele lugar, que aquilo ali também era de vocês, que era popular".
Confira mais alguns depoimentos enviados à Folha por torcedores sobre momentos marcantes no tobogã do Pacaembu:
- Nome: Sahur Aguiar da Silva
- Idade: 24 anos
- Cidade: São Paulo (SP)
- Profissão: Historiador
Estava com meu melhor amigo de infância, Lucas, seus dois irmãos e uma cunhada. Fazia o frio comum de uma quarta-feira à noite em SP no mês de outubro, e estávamos no Tobogã assistindo ao jogo.
Toda aquela tensão de um time lutando contra o rebaixamento contra um Grêmio que era nitidamente superior. A torcida cantando como se não houvesse amanhã e incentivando o time, os jogadores com um ânimo renovado foram pra cima.
Aos 30 minutos, falta para o Palmeiras, a bola cruzada na área rebate nos zagueiros e sobra na entrada da grande área. O pé direito do atacante explode um chutaço passando por baixo do goleiro gremista e estufa a rede incrivelmente alinhada ao gol do tobogã.
Festa, abraços, cantoria, o estádio entrou em êxtase, cantávamos como se estivéssemos sendo campeões da América.
- Nome: Ricardo Silveira
- Idade: 54 anos
- Cidade: São Paulo (SP)
- Profissão: Publicitário
O tobogã sempre foi o melhor lugar do Pacaembu porque dava para ver o campo todo e, o melhor, tinha o ingresso mais em conta. Estive ali muitas, muitas vezes. Aquela escavadeira na foto da Folha bateu forte aqui. Assim como o tobogã, a escola da minha infância foi ao chão. O tempo é demolidor.
- Nome: Chiara Pericinote Gonçalves
- Idade: 41 anos
- Cidade: São João da Boa Vista (SP)
- Profissão: professora
Tenho uma história muito pitoresca sobre um jogo no Pacaembu. Eu havia viajado para São Paulo há alguns dias e combinei com meu irmão e a sua esposa de encontrá-los no estádio para assistir a um jogo do Corinthians.
No entanto, cheguei de ônibus com uma mala nas mãos, para desespero do meu irmão, pois o carro dele estava longe para guardá-la. Deixamos a mala aos cuidados da banca de jornal mais próxima.
No tobogã, quando o Marcelinho Carioca fez seu centésimo gol, minha cunhada fez xixi nas calças de emoção. Certamente não tivemos o que fazer e, assim, ela permaneceu até o fim do jogo, quando voltei à banca para resgatar a mala.
- Nome: Leonardo Duó
- Idade: 31 anos
- Cidade: São Paulo (SP)
- Profissão: Servidor do Ministério Público Estadual
Havia ido inúmeras vezes ao Pacaembu quando criança, porém, a primeira vez no tobogã foi a final da Copa São Paulo Jr. de 2004. Lá ficou a torcida do São Paulo no jogo contra o Corinthians. O tricolor contava como Hernanes, Diego Tardelli e Edcarlos, mas infelizmente perdeu por 2 x 0 para o time de Jô, Abuda e Júlio César.
Frequentei uma das arquibancadas mais populares da cidade por outras tantas vezes, até a última, um clássico contra o Santos em 2016.
Não podemos esquecer que os preços dos ingressos para o tobogã normalmente eram mais acessíveis em comparação ao cobrado pelas novas arenas e, por isso, além de tristeza pelo seu fim, fica o sentimento de pesar pelo movimento de exclusão dessas pessoas dos jogos de futebol.
- Nome: Marcelo Dallegrave
- Idade: 53 anos
- Cidade: Curitiba (PR)
- Profissão: Funcionário público
- Nome: Melissa Medroni
- Idade: 41 anos
- Cidade: Curitiba (PR)
- Profissão: Jornalista
Em 22 de março de 2012, em um jogo do Santos pela Libertadores, tomamos, no tobogã do Pacaembu, o melhor banho de chuva da nossa vida!
- Nome: Helio Mota Peixoto Jr,
- Idade: 65 anos
- Cidade: Vassouras (RJ)
- Profissão: Arquiteto
Estou feliz de ver a demolição do tobogã do Pacaembu, uma parte que manchava a beleza de todo aquele patrimônio. Assisti a muito jogos nesse estádio, principalmente do tobogã porque era mais barato. E principalmente do Corinthians, mas poucos do meu time, o Palmeiras.
Certa vez, estava na arquibancada e o time do meu amigo, o Corinthians, perdia de 1 x 0 para o Juventus. Só tinha corintiano e eu curtia em silêncio aquela derrota. Porém, aos 43 minutos do segundo tempo, percebi alguns torcedores chorando ao meu lado, inclusive o meu amigo. Tive vergonha da minha alegria. Aos 44 minutos, o Timão empatou com um gol bem na minha frente, no tobogã. Acabei sendo abraçado por vários corintianos que estavam à minha volta.
São muitas as histórias neste estádio. Parabéns à cidade por mais essa obra que abre mais um espaço para a cultura e o esporte.
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