Descrição de chapéu ginástica artística

Leitores da Folha contam que já desistiram de planos e sonhos, como Simone Biles

Ao abrir mão das Olimpíadas, ginasta americana mostrou que tudo bem não estar bem

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Americana (SP)

Dona de quatro ouros olímpicos, a ginasta americana Simone Biles surpreendeu ao anunciar que estava desistindo de disputar duas provas finais em Tóquio. Considerada a melhor em sua modalidade, a atleta de 24 anos abriu mão da possibilidade —e da pressão— de levar o ouro para os EUA para cuidar de sua saúde mental.

“Fisicamente, me sinto bem", disse ao canal americano NBC. "Emocionalmente, varia com a hora e o momento. Ser a estrela principal das Olimpíadas não é uma tarefa fácil".

Biles não é a primeira nem a única atleta a demonstrar vulnerabilidade ao falar abertamente sobre transtornos mentais. A ansiedade e a depressão também já fizeram a tenista japonesa Naomi Osaka desistir do torneio Roland Garros, em maio deste ano.

Graças a elas e a outros atletas e pessoas públicas, a sociedade tem estado cada vez mais aberta a ver que desistir não só é natural, como, muitas vezes, necessário. E, por mais irônico que possa parecer, requer coragem.

A Folha convidou leitores e leitoras para que contassem sobre momentos em que também desistiram, suas motivações para isso e que rumo suas vidas tomaram depois.

A socióloga Vivian Souza, 30, repensou sua vida profissional depois de ver o pai ser internado por causa da Covid-19 e a mãe falecer por um câncer. Vivian trabalhava no Panamá quando o pai adoeceu.

Ela conta que desmontou seu apartamento em dez dias para vir correndo para o Brasil em um voo humanitário. Pouco depois, em sua única semana de férias, a mãe morreu.

"Esse episódio claramente me levou a questionar o que eu estava fazendo com o meu tempo e com a minha vida, e desisti de trabalhar com algo que amava, mas que estava me consumindo a ponto de inviabilizar a minha vida para além da profissão", afirmou Vivian, de Niterói (RJ).

"Desisti de um emprego super bem remunerado e numa organização de defesa dos direitos humanos para viver o meu luto com toda a inteireza que esse me requeria."

A pandemia também foi o pano de fundo do relato de Keven Ferreira Lopes Reis, 23. Em 2020, ele começou com muita expectativa um estágio na área de jornalismo em uma rádio de renome em sua cidade, Palmas (TO).

"Pensei que seria uma escola para mim. Porém, com o tempo, senti um desconforto no ambiente de trabalho. A relação com os demais era estranha, distante, sem conexão. Não me sentia à vontade para me expressar, evitava me comunicar para não receber má resposta. Parecia que tudo o que fazia não estava bom", disse.

Um forte sentimento de cobrança se somou ao medo da pandemia, e ele começou a se sentir ansioso e irritado. "Para tentar reverter as sensações, eu apertava uma mão à outra com força, balançava as pernas sem cessar e até mesmo mordia a mim mesmo. Não conseguia me concentrar e nem relaxar. Passei a sentir alívio no fim do expediente e nos fins de semana. A crise surgiu tão forte que parei até mesmo de me comunicar com a própria família."

Keven acabou desistindo do estágio.

Para a procuradora de Estado Mirca de Melo Barbosa, 48, a decepção com a vida acadêmica a levou a abrir mão de um projeto.

Mirca contou que, após realizar o sonho de cursar direito, resolveu prestar um mestrado em uma área afim. Foi uma experiência válida do ponto de vista pessoal, disse.

"No entanto, deparei-me com a arrogância e o abandono da academia no Brasil, que faz dos estudantes palco para as vaidades de docentes. Saí de lá absolutamente convicta de que não queria aquilo para a minha vida", afirma a moradora do Recife (PE).

"Isso já faz alguns anos e, quando me questionam por que abandonei a academia após concluir o mestrado, eu respondo: sou mais feliz sem aquele lugar de vaidades; prefiro a simplicidade do que há fora dele."

Já a pesquisadora Silvana Ferreira Bento, 51, vivia uma roda-vida de inquietude, busca por desafios e adrenalina, algo que considerava viciante e prazeroso, mas atropelava suas próprias limitações.

"Nos momentos de lazer, me sentia inútil e com culpa. Não me permitia ser eu mesma, mas sim uma máquina em constante ação. Chegou um momento em que eu não vivia, só existia", diz.

A pesquisadora, de Campinas (SP), procurou ajuda e então começou a travar uma outra batalha, a de olhar para dentro de si mesma e reconhecer suas fragilidades. "Simultaneamente começou uma luta externa, já que as pessoas não me reconheciam quando me priorizava. Precisei ter muita coragem para enfrentar a mim mesma e a sociedade."

Silvana vê sua luta como permanente, mas já reconhece que sua qualidade de vida melhorou muito.

Para Keven, revisitar seu problema lhe trouxe uma outra perspectiva. "Hoje percebo que desistir não reflete quem sou, mas como me senti no momento. É bom trazer o assunto à tona."

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