Descrição de chapéu Conversa com leitores

Velhofobia faz parte do cotidiano de leitores da Folha

Conversa com a colunista Mirian Goldenberg também tratou de negacionismo e ódio nas redes sociais

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Americana (SP)

Piadas, xingamentos, pressão pela aposentadoria e mesmo o medo do próprio envelhecimento. Leitores da Folha que participaram de uma conversa com a colunista Mirian Goldenberg descreveram como a velhofobia os atinge no cotidiano.

Para a antropóloga, que costuma abordar essa questão em suas colunas, a pandemia de Covid-19 trouxe à tona algo que já era forte, mas ficava muito restrita ao âmbito doméstico e, por isso, era meio invisível. Agora, entrou no discurso de governantes e empresários.

Ela explica que prefere essa terminologia a outros como idadismo, etarismo e ageísmo por uma questão de clareza sobre o que se trata: o pânico de envelhecer e o preconceito e a discriminação, às vezes inconscientes, contra o processo de envelhecimento.

Reprodução colorida de videoconferência mostra em primeiro plano uma mulher branca, de cabelos e olhos castanhos; os cabelos estão presos e sobre a testa cai uma franja; ela veste uma camiseta regata azul e fones de ouvido e gesticula com as mãos. À direita, sobre uma mesa de vidro, há uma pilha de livros com capa cor de rosa
A colunista Mirian Goldenberg participa de conversa com leitores da Folha - Reprodução

"Na pandemia, quem teve os discursos mais velhofóbicos foram pessoas de 65, 70 anos, autoridades, empresários. Quem falou que o grande problema do Brasil é que as pessoas querem viver 100 anos foi o ministro da Economia [Paulo Guedes], que tem 70 anos [72 anos, atualmente]. Quem falou que o velho é um peso para a Previdência e pode morrer foram empresários de quase 70 anos", afirmou ela.

"É óbvio que há jovens velhofóbicos. Mas a velhofobia não é só do jovem, ela é generalizada, infelizmente."

A velhofobia não é só do jovem, ela é generalizada, infelizmente

Mirian Goldenberg

colunista da Folha

"A velhofobia está vindo mais ainda de quem está no poder", opinou o jornalista João Teixeira de Lima, 71, que participou da conversa ao lado da mulher, Zélia Maria Barbosa, 63, com quem é casado há 44 anos.

"Quando surgiu a pandemia e começaram a falar das vacinas, eu até comentei: eles estão querendo que todos os velhos morram, porque aí vai liberar o INSS", acrescentou.

A velhofobia está vindo mais ainda de quem está no poder. Quando surgiu a pandemia e começaram a falar das vacinas, eu até comentei: eles estão querendo que todos os velhos morram, porque aí vai liberar o INSS

João Teixeira de Lima

jornalista de Peruíbe (SP)

João –que se descreve como "um velho muito feliz"– contou que foi caçoado ao entrar em um estúdio de tatuagem em Peruíbe (SP), onde mora, para fazer um furo na orelha.

Sua mulher foi recebida com xingamentos de "cala a boca, velha", ao comentar um fato no Facebook.

Luiz Fayad, médico de Santa Catarina, falou da pressão para que se aposentasse, ao passo que se sentia útil e ativo e tinha prazer em exercer sua profissão.

"Eu não me sentia velho. As pessoas é que ficavam perguntando se eu não ia parar nunca, curtir meus netos. Mas eu acho que gente pode trabalhar a vida inteira no que gosta, independente da idade", contou Fayad, que se aposentou compulsoriamente há cerca de um mês, devido a um problema de saúde.

Eu não me sentia velho. As pessoas é que ficavam perguntando se eu não ia parar nunca, curtir meus netos

Luiz Fayad

médico de SC

Reprodução colorida de videoconferência mostra em primeiro plano uma mulher branca, de cabelos e olhos castanhos; os cabelos estão presos e sobre a testa cai uma franja; ela veste uma camiseta regata azul e fones de ouvido e gesticula com uma das mãos. À direita, sobre uma mesa de vidro, há uma pilha de livros com capa cor de rosa. Acima da imagem dela, há a galeria de participantes da videoconferência
A colunista Mirian Goldenberg participa de bate-papo com leitores da Folha - Reprodução

"De uns dez anos para cá, comecei a entrar em pânico com essa história de envelhecimento. Faço psicoterapia, procuro fazer meus filmes, documentários, mas eu sinto o peso da idade", afirmou o documentarista Rui de Souza, 57, de Osasco (SP).

Rui diz que teve como sua "prova de fogo" acompanhar a doença do pai de sua companheira, Rita de Cássia, 61. O sogro faleceu aos 94 anos devido ao mal de Alzheimer. "Ela também ficou no limite."

Rafael Vicente Ferreira, 58, de Belo Horizonte (MG), descreveu os cuidados com a mãe idosa como uma oportunidade da qual seus irmãos parecem não ter consciência.

"Nunca imaginei que um dia eu iria dar banho na minha mãe. Foi uma experiência que primeiro foi traumática mas hoje é gratificante para mim. Hoje eu sinto muita falta de cuidar da minha mãe."

Nunca imaginei que um dia eu iria dar banho na minha mãe. Foi uma experiência que primeiro foi traumática mas hoje é gratificante. Sinto muita falta de cuidar da minha mãe

Rafael Vicente Ferreira

de Belo Horizonte (MG)

Para Mirian, velhofobia e negacionismo fazem parte de uma onda conservadora mundial.

"Essa onda está acontecendo em vários países do mundo. Os odiadores estão no poder e não só aqui no Brasil. É muito difícil viver em um mundo em que os odiadores estão no poder. Cabe a nós não desistir."

Rui questiona se a tecnologia tem parte da culpa na disseminação dessas visões. "As pessoas com smartphone na mão se acham donas do mundo, fazem as coisas sem pensar."

As pessoas com smartphone na mão se acham donas do mundo, fazem as coisas sem pensar

Rui de Souza

documentarista de Osasco (SP)

Otimista, Fayad citou artigo que apontou que os negacionistas são minoria e disse que vê menos expressões desse tipo do que no começo da pandemia. "Acho que está havendo uma reação muito grande, estamos virando o jogo."

Mas Mirian alertou. "A questão não é numérica. A questão é que eles saíram do armário. Antigamente, essas pessoas tinham vergonha e se escondiam. Agora, têm orgulho", afirmou.

"O que mais me angustia é saber que esse tipo de discurso e comportamento genocida e velhofóbico tem apoio de uma parcela enorme da população."

Antigamente, essas pessoas tinham vergonha e se escondiam. Agora, têm orgulho. O que mais me angustia é saber que esse tipo de discurso e comportamento tem apoio de uma parcela enorme da população

Mirian Goldenberg

antropóloga e colunista da Folha

Para Rafael, embora a imprensa tenha o papel de ajudar a virar esse jogo, a ela também cabe fazer um mea-culpa por sua responsabilidade no estado atual do país.

"A imprensa precisa fazer uma reflexão porque boa parte desse negacionismo e desse ódio que estamos vivenciando hoje se deve muito ao momento em que ela não mediu o peso da caneta, agiu de forma leviana e jogou na vala comum pessoas de vertentes diferentes."


Conversa com Leitores é uma iniciativa da editoria de Interação para realizar um papo periodicamente com leitores sobre assuntos em evidência, seja política, economia, internacional, sociedade, cultura, dentre outros. Fique de olho no site e nas redes da Folha para participar dos próximos. ​

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