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Análise: Não há divergência nos fatos, mas no significado de cada fato
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JOAQUIM FALCÃO
ESPECIAL PARA A FOLHA
Parece não haver muita divergência sobre os fatos no julgamento de hoje. Há quase consenso da existência de um conjunto de pagamentos inusitados. Há certo consenso de que alguns pagamentos envolveram direta ou indiretamente recursos privados e públicos. Como há consenso de que estes pagamentos tinham fins políticos.
Diverge-se então de quê?
Diverge-se do significado desses pagamentos. Eles são ruins ou são bons? Legais ou não? Fizeram bem para a vida política e para o país, ou não? Não sabemos ainda. Há uma batalha de interpretações concorrentes. Há incertezas no ar.
Hoje, o Supremo Tribunal Federal começa a transformar incertezas, em certezas. Julgar é isso. Além de constatar os pagamentos, trata-se de escolher uma interpretação. Feriu ou não a Constituição? As duas interpretações que em princípio estão em jogo são as seguintes.
Por um lado, a acusação, o Ministério Público, defende que esses pagamentos estão encadeados, interconectados, em objetivo único a unir políticos, partidos, bancos e empresas. Existiria um sentido, um significado comum nesses pagamentos: corrupção. Ao fundamentar a acusação na atuação de uma quadrilha, o MP tem uma visão sistêmica dos pagamentos, partes que integram um todo, e com destino comum: corromper a política, a gestão do Estado. O que é crime.
Por outro lado, os advogados dos réus negam essa visão sistêmica. Insistindo que no direito penal a individualização da conduta é o principio básico. Cada um só pode ser responsabilizado pela ação que cometeu.
E mais: tem que haver provas específicas para cada ação individual. Ninguém responde pela ação do outro. E se houve ação coletiva foi para pagar dívidas de campanha. Pagar dívidas de campanha, mesmo por caixa dois, não é crime. A lei não prevê.
O Supremo, ao colocar ponto final nessa incerteza, enfrenta dois desafios. O primeiro é sobrepor sua natureza de órgão colegiado a individualismos, que muitas vezes abalam sua legitimidade e paralisam sua ação. Tudo indica que o ministro Ayres Britto tem tido sucesso em negociações internas para obter consenso sobre o método de julgar. Diria o poeta: condenar
ou absolver não é preciso, julgar é preciso.
O segundo desafio é convencer os cidadãos e a opinião pública dos bons fundamentos de sua decisão.
Não pode ser hermético, hesitante ou se obscurecer em retóricas doutrinárias. Sua autoridade está em sua clareza. Julgar não é somente convencer o ministro ao lado. Na democracia, o
Supremo dialoga com a opinião pública. Participa de um amplo processo de construção de compreensões mútuas. Sem o qual paz social não há.
Editoria de arte/Folhapress | ||
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