Pesquisa mostra que cor de celebridades revela critérios "raciais" do Brasil
Uma espécie de daltonismo acometeu os 2.982 entrevistados pelo Datafolha quando lhes foi perguntado que cor atribuíam a 11 celebridades nacionais. Exemplo dessa confusão observou-se a respeito da cor do jogador Ronaldo Fenômeno, autodeclarado branco. "Acho que todos os negros sofrem. Eu, que sou branco, sofro com a ignorância", disse o craque em 2005 a respeito de episódios de racismo no futebol espanhol.
Rafael Andrade/Folha Imagem |
64% dos brasileiros acham que Ronaldo é preto ou pardo; 23% dizem que ele é branco |
Não convenceu a maioria dos entrevistados --ao menos sobre sua brancura. Para 64%, ele é preto ou pardo. Apenas 23% concordaram com o atleta e disseram-no branco.
"Quando se pede para atribuir cores a celebridades, é óbvio que os entrevistados não responderam apenas sobre a pigmentação da pele. Compõem as respostas critérios de qualificação intelectual, os papéis que a pessoa desempenha na sociedade, como ela quer ser vista. No caso de atores, entram em questão até mesmo os personagens a que eles eventualmente deram vida", avalia o historiador Luiz Felipe de Alencastro, professor na Universidade de Paris 4.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que em seu primeiro mandato disse ser "mulatinho" com "um pé na cozinha", foi o campeão de brancura -70% dos entrevistados assim o definiram, contra apenas 17% que disseram que ele é pardo e 1% que é preto.
"FHC apareceu como mais branco do que o Lula. Mas o Fernando Henrique é branco? Ele é um mulato. Se as pessoas não soubessem que se tratava do FHC, provavelmente, julgando apenas pela cor da pele, diriam que se tratava de um mulato. Mas como é o FHC, um intelectual, passa a ser visto como branco", interpreta o poeta e antropólogo Antônio Risério.
Divulgação |
Camila Pitanga define-se como negra; 36% a consideram parda |
Filha do ator negro Antonio Pitanga, a atriz Camila Pitanga define-se como negra, categoria que muitas vezes é sinônimo de afrodescentente. No caso dela, 27% dos entrevistados cravaram a cor preta, contra 36% que a declararam parda.
Outra atriz (também autodeclarada negra), Taís Araújo, foi reconhecida como preta por 54% dos entrevistados -o dobro do obtido por Pitanga. "Eu tenho cabelo crespo. Depois, tem os personagens que fiz, como a Xica da Silva e a Preta, protagonista da novela 'Da Cor do Pecado'. A Camila tem o cabelo mais liso", analisa.
"Desde os caçadores de escravos fugidos, o critério para saber se se tratava de negro ou de índio era o cabelo", explica Alencastro.
O professor Ronaldo Vainfas, da Universidade Federal Fluminense, concorda: "Veja o [ex-jogador] Romário, por exemplo. A maioria disse que ele é pardo (51%), contra 31% que acharam que ele é preto. Do ponto de vista estrito da cor, ele é das celebridades mais "enegrecidas" da lista apresentada aos entrevistados. Mas o cabelo não é o típico, daí o fato de o pardo ter prevalecido. Já o Ronaldo é até brancarrão, mas o cabelo o denuncia. Por isso, ele raspava a cabeça. Não tem jeito, no fim, fica o bordão "O teu cabelo não nega, mulata".
O pesquisador cita um jogo de futebol de negros contra brancos que acontece em São Paulo todos os finais de ano, desde 1972, reunindo moradores da favela de Heliópolis aos do bairro de São João Clímaco. Segundo Vainfas, os times são montados a partir da autodeclaração dos jogadores.
Lula Marques/Folha Imagem |
70% dos brasileiros acham que FHC é branco, contra 17% que o consideram pardo |
"Mas eles mudavam de time de um ano para outro. Lá pelas tantas, tentando controlar minimamente esse câmbio de cores, alguém disse: 'Tudo bem, mas não pode jogar no time dos pretos o fulano que o cabelo voa quando corre'. Essa é uma característica essencial".
Há outras. O cantor Zeca Pagodinho definiu-se como "gente", ao ser perguntado sobre sua cor. "Eu não vivo esse mundo de cores", disse. Zeca é pardo para 52% dos entrevistados. E preto para 22%.
O artista foi então informado pela Folha de que sócios de um dos clubes mais exclusivos de São Paulo iniciaram movimento contra show dele, programado para ocorrer em um salão nobre. Zeca tentou uma explicação: "Eu sei o que é o preconceito. Embora eu não tenha cor, sou sambista e do subúrbio. Quer dizer: sou preto".
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