ELOÍSA MACHADO DE ALMEIDA
ESPECIAL PARA A FOLHA

A decisão liminar que suspendeu a posse de Cristiane Brasil como ministra usa como fundamento a moralidade administrativa. Para o juiz, a nomeação de uma pessoa condenada na Justiça do trabalho para o cargo de ministra do Trabalho não seria razoável; mais do que isso, seria grave e inconstitucional.

Ocorre que a Constituição Federal oferece os parâmetros para essa moralidade administrativa em vários artigos, impondo, por exemplo, a inelegibilidade e a perda de mandato para os condenados definitivos por crimes ou por improbidade (art. 15, 3 e 5); restrições a eleições de parentes de políticos (art.14, §7º); o afastamento do cargo de um presidente que se torne réu ou que cometa crime de responsabilidade (art. 86, §1º e 85). Se não oferece os parâmetros, manda que a lei o faça –como na Lei da Ficha Limpa.

Porém, na indicação de ministros de Estado, a Constituição exige apenas a idade mínima de 21 anos e o pleno exercício dos direitos políticos (art. 87). Ou seja, pelos parâmetros constitucionais, trata-se de um cargo de livre nomeação e exoneração, um poder conferido ao presidente da República (art. 84, 1) de escolher sua equipe de governo.

Não há nenhuma vedação constitucional a que condenados no âmbito civil ou trabalhista ocupem cargos ministeriais, assim como não há nenhuma vedação para que um réu ou investigado o faça.

A questão aqui, portanto, não deveria ser jurídica. É uma questão política e, politicamente, poder-se-ia cogitar que apenas um presidente sem nenhuma popularidade –e que por isso não se importa com a opinião pública– teria a pachorra de indicar tal figura para compor um ministério que, cá entre nós, já não guarda grande reputação.

Mas o tema se tornou jurídico a partir do momento em que um juiz decidiu criar novos parâmetros sobre a moralidade administrativa. Mas esse não é um caso isolado. Na verdade, pode-se afirmar que o Judiciário vem impondo uma agenda de moralização judicial da política, muitas vezes à revelia do que diz a lei.

Um conjunto de decisões dos últimos anos revela uma visão bastante particular de como os juízes enxergam a política: algo eminentemente ruim, imoral e viciado. Foi assim quando o STF julgou o financiamento privado de campanhas; quando aprovou a restrição à fusão de partidos na minirreforma eleitoral de 2015; quando implantou a execução da pena sem trânsito em julgado da condenação; quando afastou Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados ou quando acenou que réus não poderiam ocupar cargos na linha sucessória da Presidência da República, sem esquecer o veto à posse de Lula.

O combustível dessa agenda é a Operação Lava Jato que, se por um lado tem o enorme mérito de revelar a corrupção de empresários e políticos, por outro tem servido de pretexto para blindar os abusos do Judiciário. Basta carimbar uma medida como "contra a Lava Jato" para decretar seu fim: veja o debate sobre os supersalários dos juízes ou o indulto do Natal.

Ninguém ignora o altíssimo nível do mar de lama que banha nossa classe política; há muitas razões para críticas contundentes, propostas de reforma e ansiedade por novas eleições. Mas nada autoriza que o Judiciário atue fora das regras por aí, cassando mandatos e ou nomeações.

Não há saída fora da Constituição.


Eloísa Machado de Almeida, professora e coordenadora do Supremo em Pauta FGV Direito SP.

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