RUBENS VALENTE
DE BRASÍLIA

O aeroporto de Paraty (RJ), a cerca de 4 km de onde caiu o avião que matou o então ministro do STF Teori Zavascki em janeiro de 2017, pode continuar sendo usado para pousos e decolagens, desde que os pilotos respeitem limites mínimos de teto e visibilidade e apenas em voos diurnos.

A conclusão integra a investigação da Aeronáutica sobre os fatores que contribuíram para a queda do turboélice King Air que levava o ministro e mais quatro pessoas. O relatório final divulgado nesta segunda-feira (22) pelo Cenipa (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos).

Encarregado da investigação, o coronel-aviador Marcelo Moreno afirmou que o aeroporto, tecnicamente chamado de aeródromo, é seguro desde que os pilotos sigam a instrução do Comando da Aeronáutica de outubro de 2016 que estabelece as regras de voo visual com condições mínimas de 5.000 metros para visibilidade horizontal e de 450 metros para o teto.

De acordo com a investigação do Cenipa, no momento do acidente a visibilidade horizontal era de 1.500 metros, portanto bem abaixo do mínimo da instrução.

A pista de Paraty, sob responsabilidade da prefeitura, é habilitada para operar apenas voos visuais em período diurno por não possuir aparelhos de auxílio aos pilotos. Não seria possível instalar tal equipamento, segundo a Aeronáutica, em razão das condições geográficas do aeródromo, próximo da Serra do Andaraí.

Segundo o Cenipa, alguns pilotos que voam do Campo de Marte (SP) para Paraty acabaram criando um grupo informal que procurava alternativas a fim de avaliar as condições meteorológicas. Não raro, conforme constatou o Cenipa, alguns pilotos decidiam decolar do Campo de Marte mesmo sabendo de condições ruins em Paraty, porém, durante o voo, novamente avaliavam a situação para decidir se prosseguiam ou retornavam a São Paulo.

Pilotos também usavam uma "carta informal" sobre a visibilidade em Paraty, mas o Cenipa concluiu que o piloto do voo que culminou na morte de Teori, Osmar Rodrigues, 56, não utilizava tal carta.

Quando Rodrigues decolou do Campo de Marte, às 13h01 do dia 19 de janeiro do ano passado, segundo o Cenipa, a previsão meteorológica válida das 10h às 16h apontava uma visibilidade restrita a 4.000 metros na região da pista de Paraty. Ao se aproximar da pista, o piloto constatou que a visibilidade caiu ainda mais, o que não o impediu de tentar duas vezes o pouso.

CORTAR CAMINHO

No intervalo entre a primeira e a segunda tentativa, segundo o Cenipa, os dados indicam que o piloto abreviou o tempo para a nova aproximação.

Segundo o coronel-aviador Marcelo Moreno, seriam necessários quatro minutos entre uma arremetida e uma nova tentativa de pouso. No caso do King Air, o piloto informou por rádio que estava desistindo do pouso devido às chuvas, mas apenas dois minutos e dez segundos depois ele disse que estava em novo procedimento de pouso –que ao final resultou na queda do avião. Os dados indicam que o piloto pode ter "cortado" o caminho, a fim de encerrar a viagem o mais rápido possível.

Quando resolveu novamente arremeter, fazendo uma curva à direita, o piloto perdeu as possíveis referências em terra, pois viajava sobre a água e sob chuva intensa, um "terreno homogêneo".

"O curto intervalo de tempo transcorrido entre a verbalização do piloto (de que iria aguardar a passagem da chuva) e o início da segunda tentativa de aproximação denotou que ele desistiu de aguardar a melhoria das condições meteorológicas", diz o relatório.

O Cenipa procurou então entender o processo de tomada de decisões do piloto. Deu atenção ao perfil psicológico do piloto e seu relacionamento com o dono do avião, e também passageiro naquele momento e morto no acidente, o empresário de hotelaria Carlos Alberto Filgueiras, 69. Os investigadores concluíram que o empresário às vezes portava-se "de forma impositiva e ríspida", mas "não realizava qualquer interferência na condução dos voos".

A gravação das vozes no avião durante o voo fatal também não mostrou comunicação entre o piloto e Filgueiras "que indicasse o contrário". Sobre o piloto, o Cenipa concluiu que ele era muito experiente, que conhecia bem a pista de Paraty e que "sempre primava pelo fiel cumprimento de suas atividades".

O mais provável, segundo os investigadores, é que o piloto tenha desenvolvido, ao longo da carreira, "uma pressão autoimposta voltada ao cumprimento dos voos planejados, levando-o a aceitar condições abaixo dos limites mínimos requeridos para o tipo de operação".

A investigação da Aeronáutica concluiu que um dos fatores que contribuíram para o acidente foi a desorientação espacial do piloto, que se confundiu sobre a altitude do avião e acabou atingindo a água. O relatório também cita as condições meteorológicas e descarta sabotagem ou problemas nos equipamentos e motor do avião.

A Folha tem tentado, desde a semana retrasada, manter contato com familiares do piloto, sem sucesso. A assessoria da associação dos aeronautas, procurada nesta terça-feira (23), não foi localizada.

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