Descrição de chapéu Eleições 2018

Discurso errado explica vácuo eleitoral, diz marqueteiro de firma ligada a Trump

André Torretta cobra foco no emprego e diz não trabalhar para radicais

André Torretta, sócio da CA-Ponte, braço brasileiro da Cambridge Analytica, que trabalhou por Trump
André Torretta, sócio da CA-Ponte, braço brasileiro da Cambridge Analytica, que trabalhou por Trump - Divulgação
 

 

Rodrigo Vizeu
editor-adjunto de "Poder"

A forte indefinição do jogo eleitoral de 2018, exposta pela última pesquisa Datafolha, tem a ver com a falta de um candidato que levante a bandeira do combate ao desemprego, "o principal problema brasileiro", avalia o marqueteiro baiano André Torretta.

Ele é sócio da CA-Ponte, braço brasileiro da Cambridge Analytica, empresa que ganhou notoriedade por atuar na campanha de Donald Trump, nos EUA, e por ser pioneira no uso de psicologia comportamental com base em grandes bases de dados em campanhas políticas.

A firma trabalha desde março do ano passado no Brasil.

Para o publicitário, a eleição está indefinida principalmente para o centro, que precisa definir um discurso sobre a crise econômica.

Já procurado por Jair Bolsonaro, ele não quis revelar as razões para se negar a trabalhar para o presidenciável. Mas afirmou que descarta fazer campanhas para os extremos, carapuça que diz não servir em Trump –nem em Lula.

Com experiência em campanhas em Brasil, Argentina e Bolívia, Torretta também foi fundador do Data Popular, instituto de pesquisas sobre hábitos da classe C.

 

Folha - O que dá para dizer sobre a pesquisa além do fato que tudo está bastante indefinido?
André Torretta - Bastante indefinido principalmente para o centro. Como se diz, na política não existe vácuo. A boa estratégia pede que você decida a campanha na pré-campanha, e essa é uma campanha que será decidida na campanha mesmo. Ninguém está atuando para preencher o vácuo. Nosso candidato ideal não apareceu ainda.

Ideal em que sentido?
O cara que preenche esses espaços. Você quer alguém que cuide desse Brasil de 12 milhões de desempregados. A discussão está polarizada entre uma questão de Justiça e uma questão de armamento. O principal problema brasileiro não está na mesa, o que é um absurdo.

A campanha vai começar de fato em agosto. Você não tem ninguém com uma campanha estruturada e dando resultado no dia de hoje. Isso é um fato que o Datafolha está mostrando. Então a gente vai ter uma campanha que vai ser vencida por comunicação e política. A comunicação passa, para o bem e para o mal, a ter uma importância fundamental.

Bolsonaro e Marina devem ter tempos de TV bem menores. Ciro e Alckmin, maiores. Quanto isso tende a alterar o cenário a partir de agosto, quando começa o horário eleitoral gratuito?
A internet no Brasil influencia, mas não resolve uma campanha. Você tem 107 milhões de pessoas no Facebook, o que significa que você tem 100 milhões fora dele. Então a gente ainda tem uma campanha que será televisiva.

E os marqueteiros brasileiros não sabem fazer campanha nas mídias sociais porque tem 60 dias que houve a mudança da legislação. Ninguém nunca fez isso no Brasil. Não estou dizendo que o cara é ruim ou bom, mas que é inexperiente. E isso vai causar mudanças, porque se você tiver um bom candidato com uma péssima comunicação, desastrosa nas redes sociais, que ninguém conhece, vai piorar. E pode vir uma surpresa por aí.

Mas eu acho que ainda é uma questão de discurso, de narrativa pré-eleitoral. Ninguém está discutindo o principal problema brasileiro, que se chama desemprego. Finge-se que a discussão é entre um cara de esquerda, que não está falando nisso; um povo de direita que fica falando de reforma; e o cara que está desempregado fica a ver navios.

Há expectativa de reação na economia.
Expectativa é um exercício de futurologia. Hoje temos 12 milhões de desempregados. É o fato, o resto é bola de cristal. Será que eliminaremos 12 milhões de desempregados em seis meses, para assim influenciar a campanha eleitoral? Não existe melhora da economia se não existe melhora de emprego, que é onde o cara sente a economia. Não adianta falar que está tudo bem e o cara está há três anos desempregado, teve que tirar a filha da universidade e diminuiu o tamanho do carrinho de supermercado. Melhorou para quem? Tem uma dissonância muito grande entre discurso e verdade.

Voltando aos 100 milhões que estão nas redes sociais. Será enfim a chance de candidatos com pequenas estruturas partidárias surpreenderem?
Essa é uma campanha muito boa para o candidato a deputado federal e estadual. O que davam para ele era um pequeno espaço na televisão de dez segundos. Pela primeira vez ele vai poder fazer uma campanha eletrônica, e isso influencia obviamente a campanha presidencial. O senador, que fazia pouca campanha, agora pode fazer uma campanha literalmente majoritária.

Eu acho que 40% da campanha eleitoral desse ano será feita pelas mídias sociais, aumentando para 80% quando você vai para deputados estaduais e federais que não são eleitos em grotões. E você ainda tem um novo fenômeno brasileiro, bom, que são os movimentos de direita, de esquerda, que não existiam. Esses caras podem fazer comunicação porque não são eleitorais. E hoje têm influência política maior que os partidos.

Como vê a estratégia digital dos principais pré-candidatos?
Está todo mundo aprendendo. Por uma questão histórica, de mudança de legislação. A gente é um país mais pobre que os Estados Unidos, não tem o volume de dados e a penetração de internet em toda a população. Os candidatos também não sabem se portar direito. O número de cliques que tem uma página não significa absolutamente nada. O que interessa é engajamento.

Em termos de engajamento, vemos figuras como Bolsonaro, com postura mais agressiva e que parecem engajar mais, e outras que fazem menos ataques, como Alckmin. A estratégia bem-sucedida na internet é falar gritando?
A grande estratégia chama-se discurso. Está antes da ferramenta. Qual é o discurso hoje do centro para resolver o problema do Brasil, que se chama desemprego? Quando eu falo que eu vou fazer uma reforma, é um meio para atingir o fim. Eles ficam vendendo os meios, eu quero saber do fim, se eles vão resolver meu problema de emprego.

Hoje, o centro e a direita têm um problema de discurso. Eles ficam discutindo como fazer as coisas, não discutem o que eu vou ganhar. Se você falar para mim que vai fazer uma reforma da Previdência e eu vou ter emprego, eu topo. Se for fazer a reforma porque vai fazer, eu falo que não quero.

Então se tem muito mais um problema de discurso do que de ferramenta. Qual é o discurso do centro hoje? "Ah, estamos salvando o Brasil". Desculpe, eu continuo desempregado, próxima página. A centro-direita, o Alckmin, é situação ou oposição?

Há a possibilidade de candidatura de Luciano Huck, que não integra o establishment político, mas tem conexão direta com a população via TV.
Você tem uma tradição no mundo inteiro de artistas despontarem, normalmente em momentos de crise. Você teve o Silvio Santos tentando ser candidato em 1989, isso já ocorreu nos Estados. Isso não é uma novidade.

Obviamente que ele [Huck] sai com um nível de conhecimento muito bom, mas ele precisa provar que é competente para governar. Ronald Reagan era o quê? Um ator de cinema. Não tem novidade. A novidade é ele se preparar direito, se colocar como futuro presidente do Brasil, ter um bom ministério. Ele tem uma narrativa a ser feita aí sobre uma questão de competência gerencial. Se ele quiser, e fizer o discurso direito, tem muitas chances de ser candidato. Assim como se ninguém fizer isso, o Bolsonaro cresce. Vácuo não existe, você é obrigado a votar em alguém.

Vê paralelos entre Huck e Donald Trump, ambas personalidades da TV?
Não, o Trump faz campanha há 20 anos. Ele é um cara que tinha um posicionamento político muito forte nos últimos 20 anos. O Luciano Huck nunca teve um posicionamento político. Ele é uma página em branco, a questão é como ela será preenchida. O Trump chegou à campanha eleitoral com uma página completamente preenchida. Todo mundo sabia quem era o Trump, ninguém tinha dúvidas. E eu e você não sabemos quem é o Luciano Huck numa cadeira de presidente da República.

Em cenários sem Lula, o número de votos brancos, nulos e indecisos ultrapassam um terço do eleitorado. Quanto disso é fruto da confusão momentânea, após a condenação do ex-presidente? Pode ser uma marca da eleição um recorde de não votos?
É a falta de candidatos fazendo ligação com a população brasileira. Isso para mim é a grande novidade. Pela primeira vez você tem uma corrida presidencial onde não se coloca em questão o principal problema brasileiro, que é crise e desemprego. "Ah, mas não tem crise". Aí, meu amigo, você é louco.

Como você vê a resiliência do Lula nas intenções de voto, apesar da condenação?
É uma estratégia de segurar o cabedal que ele tem de conhecimento e poder eleitoral para, se for o caso, de acordo com a Justiça, entregar esse capital à pessoa que ele escolher. Quanto mais ele ficar, mais ele segura esse capital. Até porque ele representa um Brasil que, naquele momento, deu certo. Ele representa um Brasil que, naquele momento, estava em pleno emprego.

Então no inconsciente ele responde a um anseio meu. Se ninguém me diz nada e vem um e me dá uma esperança, eu vou votar em quem? No que me dá uma esperança. Campanha é "me dê motivos", é a estratégia Tim Maia. Qual é o candidato de centro que está me dando um motivo para votar nele? Eu não sei.

Porque se a batalha for por honestidade, ninguém ganha.

Por que você não quis trabalhar para Bolsonaro?
Eu prefiro não dizer, porque vai me causar constrangimentos. E foi uma decisão que não foi só minha.

Com quem você quer trabalhar?
Eu não trabalho para os extremos. Esse é o meu posicionamento e o da Cambridge. Com os extremos a gente não trabalha porque é ruim para a alma e para os negócios.

Mas trabalharam para Trump.
O Trump nos Estados Unidos não é considerado um cara de extrema direita. Ele é um cara de direita e louco. O problema não é o posicionamento político dele, o problema é o comportamento dele. Dois: aqui no Brasil a Cambridge tem um quadro societário que tem eu, no qual eu tenho força e tenho voz.

Mas Trump é o candidato dos anseios populistas.
Primeiro, essa é uma avaliação muito subjetiva, o que é populismo e o que não é populismo. Dois: eu acredito sim que você tem que conversar com a população. Você não é o eleito porque você é o melhor candidato, mas por ter mais votos. Então nesse diálogo com a população eu acredito. O Trump é eleito porque os Estados Unidos estavam em crise profunda, as pessoas estavam desesperadas, e ele prometeu ajudá-las, enquanto a Hillary [Clinton] não falava nada. É justamente o que acontece hoje no Brasil. Eu preciso de um candidato que fale com a população. Quando o FHC lança o Plano Real, ele lançou essa corda para a população e foi eleito. Eu não considera o FHC um cara populista.

Seu candidato pode ser a vir Lula ou outro nome do PT?
Sendo da centro-esquerda ou centro-direita, pode ser qualquer um. Você fala assim: "André, você considera o Lula um radical?" Não, não considero. Tanto é que tem a Manuela [Dávila, do PC do B], que é mais para lá, você tem o PSTU, o [Guilherme] Boulos. Não pode considerar o Lula tão radical. Dois: em 2002, ele atrai os cem maiores empresários do Brasil para irem governar com ele. Então, obviamente os ânimos hoje em dia estão acirrados, mas a gente trabalha para quem tiver que trabalhar. Menos os extremos, porque atrapalha os negócios e a alma. Como eu trabalharia para o Alckmin também, que é centro-direita. O [João] Doria já se coloca agora à direita, abraçado pelo MBL [Movimento Brasil Livre]. O Doria é mais radical do que o Lula hoje em dia.

Você já fechou pré-campanhas para 2018?
A gente fechou três campanhas estaduais. Não posso dizer quais, por questões legais.

Em que pé está sua construção de base de dados de eleitores?
A gente adiantou bem, claro que a gente não tem o volume que tem nos EUA. Nem a gente, nem a Europa, nem ninguém, por questão de dinheiro e legislação. Mas a gente já tem um banco de dados de 80 milhões de brasileiros com algumas características geolocalizadas e pessoais interessantes. Mas isso é comercializado no mercado, como, por exemplo, pela Serasa. É um comércio legal de dados, não é nada do outro mundo.

O que estamos fazendo é sistematizar e dando o olhar político e comportamento. A grande invenção da Cambridge é botar sujeitos de comportamento como eu para olhar número. O povo coloca cientista de dados para olhar número. O cientista de dados olha o número de uma maneira não comportamental. Eu olho para o número e digo: "Bem, eu consigo através dessas informações que eu tenho achar os neuróticos do Brasil para o Bolsonaro ganhar a campanha eleitoral? Consigo". Então, tá, o André começa a definir quem é neurótico na rede e a gente começa a traçar perfis de neuróticos e começa a falar só com os neuróticos. Essa é a lógica.

Crédito: Editoria de Arte/Folhapress Datafolha 31.jan - 1º turno
Datafolha 31.jan - 1º turno
Crédito: Editoria de Arte/Folhapress Datafolha 31.jan - 2º turno
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Crédito: Editoria de Arte/Folhapress Datafolha 31.jan - rejeição
Datafolha 31.jan - rejeição
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