Candidatura de Silvio Santos levou eleição presidencial à Justiça em 1989

Assim como pode ocorrer neste ano com o caso Lula, pleito mergulhou em incerteza à espera decisão do TSE

Felipe Bächtold
São Paulo

Um dos favoritos para a eleição presidencial tem a candidatura impugnada. Perto do dia da votação, com a campanha dele ativa, o clima é de incerteza.

A decisão fica então nas mãos de sete juízes do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), e o país aguarda em suspense o desfecho.

Silvio Santos faz campanha para presidente em 1989
Silvio Santos faz campanha para presidente em 1989 - Sergio Tomisaki - 6.nov.1989/ Folhapress

Faltando menos de uma semana para o primeiro turno, os magistrados batem o martelo e acabam redefinindo o xadrez eleitoral.

Se essa situação ocorrer neste ano com a candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não será inédita.

Aconteceu em 1989, com o apresentador Silvio Santos, em um dos mais inusitados episódios eleitorais do país.

Naquele ano, faltando duas semanas para o primeiro turno da eleição presidencial, um grupo de congressistas se mobilizou para lançar como candidato o empresário, uma das mais populares figuras públicas do país.

Foi um terremoto na campanha, que parecia se encaminhar naquele momento para um segundo turno entre Fernando Collor, líder então pelo PRN, e o próprio Lula.

A fragilidade do registro eleitoral do dono do SBT, porém, deu fartos motivos para contestações de adversários, como Collor, e a Justiça Eleitoral foi chamada a resolver a questão.

"Quando apareceu essa candidatura, eu disse aos colegas do TSE: senhores, não merecíamos isso", lembra o então presidente do tribunal, Francisco Rezek.

"Era um problema gravíssimo: chegar à véspera do primeiro turno sem saber se tem ou não tem um candidato."

Sessão do TSE que decidiu impugnar a candidatura de Silvio Santos - Lula Marques - 9.nov.1989/Folhapress

A ideia de lançar candidatura às pressas do empresário e animador de auditório havia partido de um trio de senadores do PFL (atual DEM), frustrados com o desempenho do candidato do partido, o mineiro Aureliano Chaves, ex-vice-presidente da República.

A proposta desse grupo, que incluía o atual senador Edison Lobão (MA), Marcondes Gadelha (PB) e Hugo Napoleão (PI), inicialmente era colocar Silvio Santos no lugar de Aureliano.

Silvio, que já havia tentado ser candidato a prefeito de São Paulo no ano anterior, se interessou pelo plano.

O candidato do PFL concordou inicialmente em ceder a vaga, mas acabou rejeitando a proposta.

Gadelha, Lobão e outros pefelistas então saíram à caça de alguma outra legenda para abrigar o apresentador na eleição. Tudo isso a menos de 20 dias do primeiro turno.

Encontraram uma resposta positiva no minúsculo PMB (Partido Municipalista Brasileiro), que havia lançado à Presidência o professor e pastor evangélico Armando Corrêa.

Não haveria tempo, no entanto, de Silvio ter seu nome impresso nas cédulas de papel da época. No horário eleitoral na TV, em um dos poucos programas que conseguiu levar ao ar, o dono do SBT gastou parte de seu tempo ensinando o eleitor a votar nele, identificando-o pelo número 26, do PMB: "Para votar no Silvio Santos, devem marcar no meio da cédula Corrêa".

Em meio à toda confusão, o apresentador se mostrava competitivo nas pesquisas de intenção de voto, chegando a figurar em segundo lugar, atrás do líder, Collor.

Sua plataforma política não era clara, e não chegou a haver grandes atos de campanha —a aposta era triunfar nas urnas com a popularidade obtida na TV.

Os adversários demonstravam indignação. Lula, segundo registrou a Folha na época, chamou-o de "espertinho". Leonel Brizola (PDT), ameaçado de ficar fora do segundo turno, era um dos mais exaltados.

As críticas miravam sua condição de "outsider", termo que não era usado na época e que hoje costuma definir personagens como Luciano Huck, que foi aventado como possível candidato a presidente em 2018.

FALHA BUROCRÁTICA

Logo que a candidatura de Silvio foi protocolada, partidos e rivais correram para pedir o indeferimento pela Justiça Eleitoral. O PRN de Collor era um dos mais ativos.

O vice na chapa de Silvio, Marcondes Gadelha, 74, hoje atribui um papel de destaque na mobilização do grupo de Collor a Eduardo Cunha, ex-presidente da Câmara e atualmente preso da Operação Lava Jato.

Os adversários apostavam que o TSE barraria o empresário por ele não ter se desligado do SBT, uma concessão pública, antes da campanha.

Assim como a defesa de Lula hoje, os advogados de Silvio na época tinham uma tarefa de sucesso improvável: provar que o apresentador não tinha comando sobre a rede de televisão.

O Brasil parou para acompanhar o julgamento. Em uma época sem TV por assinatura, as emissoras abertas tentaram transmitir a sessão da corte eleitoral ao vivo, mas não foram autorizadas.

A sessão decisiva não foi longa. Depois de a acusação e defesa apresentarem seus argumentos, a candidatura de Silvio Santos foi barrada por unânimes sete votos.

O fator chave para afastá-lo da eleição acabou sendo muito mais burocrático do que a umbilical ligação do candidato com o canal de TV.

Os juízes entenderam que o partido que abrigou Silvio não tinha promovido convenções em um mínimo de Estados, como mandava a legislação. Com o registro partidário irregular, o empresário não poderia ser candidato.

Para Francisco Rezek, 74, a descoberta desse problema no PMB foi "sorte, um capricho do acaso".

"Se não fosse a irregularidade do partido, havia uma possibilidade de recurso ao Supremo e teríamos chegado à véspera da eleição com uma situação de insegurança."

Um dos mais fortes candidatos da primeira eleição presidencial no país em 29 anos era impedido de concorrer faltando apenas seis dias para o pleito. Era 9 de novembro de 1989, dia que ficou marcado também pela queda do muro de Berlim. A derrubada do símbolo da Guerra Fria, porém, acabou recebendo menos destaque em todos os grandes jornais brasileiros da época do que o episódio Silvio Santos.

"Ele iria ganhar a eleição, sem nenhuma dúvida. Foi o único candidato que conseguiu deslocar o Collor", diz Gadelha, hoje dirigente nacional do PSC.

Silvio, hoje com 87 anos, declarou em 2017, em um de seus programas no SBT, que aceitou ser candidato na época porque o convite mexeu com a sua "vaidade".

"Não deu certo, ok. Foi até bom", disse ele, na TV.

Na noite que selou sua carreira política, o empresário nada falou. Em um retrato do improviso de sua curta trajetória de presidenciável, os repórteres que acompanharam o caso relataram que a única a se manifestar na casa dele, em São Paulo, foi uma copeira, que transmitiu um recado de Íris, mulher do apresentador: "Dona Íris disse que lamentamos, mas acabou", falou ela aos jornalistas.

 
 
 

CONFUSÃO ELEITORAL

A curta trajetória de Silvio Santos como presidenciável

29.out.1989

Cortejado por senadores do PFL, o empresário e apresentador Silvio Santos anuncia que quer ser candidato a presidente. Restavam duas semanas até o primeiro turno

31.out

Silvio Santos se lança à Presidência. A candidatura pelo PFL não dá certo, mas os senadores conseguem convencer o candidato Armando Corrêa, do PMB, a ceder sua vaga na eleição ao dono do SBT

4.nov

O empresário faz o registro de candidatura, que é imediatamente contestada

5.nov

Silvio Santos estreia no horário eleitoral na TV. Fala de sua trajetória pessoal e em melhorar a vida da população em áreas como saúde e educação

9.nov

Por 7 a 0, o Tribunal Superior Eleitoral barra a candidatura. O empresário aceita a decisão e não recorre

15.nov

Dia do primeiro turno da eleição. Collor lidera e é eleito um mês depois, em segundo turno contra Lula

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