Caso brasileiro muda visão sobre corrupção no mundo, diz ex-FBI

Ele é otimista sobre o futuro das companhias que foram investigadas e do Brasil

Mario Cesar Carvalho
São Paulo

Vista do Brasil, a Lava Jato parece cada vez mais um tigre que está ficando banguela. Não é essa, porém, a visão da operação a partir dos Estados Unidos. “O que ocorre no Brasil está mudando o modo como olhamos os negócios e a corrupção no mundo inteiro”, diz George Ren McEachern, 44, que integrou até dezembro o Esquadrão de Corrupção Internacional do FBI, a polícia federal dos EUA.

George Ren McEachern, ex-agente do FBI especializado em combate à corrupção internacional - Rafael Roncato - 4.fev.2018/Folhapress

McEachern, agora atuando na área de ética e conformidade em empresas, é otimista sobre o futuro das companhias que foram investigadas e do Brasil. A apuração de corrupção pode custar empregos, “mas a longo prazo gera negócios muito mais sustentáveis”, disse durante passagem por São Paulo, onde participou de um evento do ICC (Câmara Internacional de Comércio).

 

Folha - Qual a melhor medida a ser adotada para evitar corrupção em negócios públicos?

George RenMcEachern - Você tem de fazer investigações em torno dos executivos que gerenciam a obra,  assinam contratos e controlam o dinheiro. Também tem de fazer isso com as pessoas que têm relações com as empresas contratadas pela companhia que faz a obra porque pode haver conflitos de interesse e esses conflitos são inaceitáveis. Você tem de conhecer o risco das companhias com as quais trabalha. Ao mesmo tempo a equipe com que você trabalha precisa saber que regra não é para ficar no papel, é para ser aplicada.

Empresas privadas têm função no combate à corrupção ou é ingênuo acreditar nisso, afinal elas buscam o lucro?

As companhias privadas têm muita responsabilidade: elas podem estabelecer padrões, adotar as melhoras práticas, podem mostrar que ser correto é a melhor mensagem que você manda para os investidores. E muito investidores nos EUA buscam companhias que seguem as regras porque essas companhias têm vida longa e um crescimento que é real.

Não há conflito entre ética e lucro?

Não. Nós sabemos que há muitas empresas fazendo a coisa certa todo dia e isso é um bom negócio a longo prazo. As pessoas finalmente estão percebendo isso. Essa é uma nova e importante tendência: não há custos extras em fazer a coisa certa.

Em 2014, a Operação Lava Jato adotou uma estratégia de choque para atacar a corrupção. O sr. acredita nesse tipo de estratégia ou seria melhor uma abordagem mais gradual?

O que aconteceu em Curitiba em 2014, seja uma explosão ou outra coisa, tinha de acontecer porque o Brasil estava pronto [para enfrentar a corrupção]. As pessoas tiveram coragem de aprofundar e fazer algo que está mudando não só o país, mas o mundo.

O mundo?

Eu realmente acredito nisso. O que ocorre no Brasil está mudando o modo como olhamos os negócios e a corrupção no mundo inteiro. Para que isso aconteça você precisa de uma explosão. Entretanto, quando a explosão ocorre, você tem complexas investigações contra organizações muito espertas. E aí a explosão não basta. Você precisa de energia contínua, de estratégia. Curitiba mandou a mensagem de que o Brasil está ficando limpo.

Uma série de empresas investigadas na Lava Jato passam por problemas econômicos sérios e muitos culpam a operação. Dá para apurar corrupção e preservar as empresas?

Duas coisas aconteceram: o Brasil estava envolvido em grandes casos de corrupção ao mesmo tempo em que havia grandes incertezas econômicas. Corrupção não é um problema só do Brasil, é uma questão global e não dá para estabelecer uma relação de causa e efeito [entre investigação de corrupção e problemas econômicos]. Eu não estou julgando as perdas aqui no Brasil. O Brasil tem de descobrir o que é melhor para o Brasil. Porque antes o sistema não funcionava bem. O objetivo da FCPA é prevenir corrupção e encorajar boa governança. Combater a corrupção pode ser doloroso, mas é mais doloroso quando a corrupção persiste, cresce e nunca acaba. Há muitos exemplos no mundo. Já o Brasil parece agora ter um futuro brilhante pela frente. Combater a corrupção pode custar alguns empregos no começo. Mas a longo prazo gera negócios muito mais sustentáveis, e isso não é só para as pessoas ricas.

Os EUA têm uma das leis mais poderosas contra a corrupção no exterior, mas pesquisas da Transparência Internacional mostram que a percepção de corrupção no mundo está crescendo. Qual o problema?

Primeiro: as pessoas estão mais conscientes sobre corrupção do que jamais estiveram, falam mais confortavelmente sobre o assunto. O trabalho da Transparência Internacional é inacreditável, mas a FCPA não é a bala de prata contra a corrupção. É uma lei maravilhosa, mas a FCPA é só o começo. A melhor forma de combate é quando as pessoas começam a aplicar a lei, como estão fazendo agora no Brasil. Esqueça a FCPA. Vocês estão fazendo um grande trabalho por conta própria.

Existe bala de prata contra corrupção?

Não! Você precisa de uma boa legislação que seja apoiada pelas pessoas e a aplicação dessas leis. Porque sem isso lei é apenas papel. E você precisa compartilhar informações [com outros países]. Porque agora todos os negócios são globais. Uma empresa que paga propina no Brasil paga também em outros países.

 

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