Corrupção sistêmica exige resposta sistêmica, diz representante de entidade

Transparência Internacional e Fundação Getúlio Vargas estão propondo 80 projetos de lei

Mario Cesar Carvalho
São Paulo

Regulamentação do lobby, criminalização da corrupção privada e a criação da figura do denunciante de boa fé —aquele que decide revelar um crime numa empresa ou repartição pública em troca de benefícios. Esses são alguns dos temas contemplados pelos 80 projetos de lei que a Transparência Internacional e a Fundação Getúlio Vargas estão propondo.

O pacote parte das Dez Medidas Contra a Corrupção, projeto de lei proposto pela força-tarefa da Lava Jato, mas tem abordagens que não faziam parte das sugestões dos procuradores, como a prevenção, a desburocratização e a integridade empresarial, segundo Bruno Brandão, representante da TI no Brasil. A ideia, segundo ele, é atacar em todas as frentes: "Se a corrupção é sistêmica, as novas medidas oferecem uma resposta igualmente sistêmica", disse à Folha.

 
 

Folha - O que havia de errado com a Dez Medidas contra a Corrupção?

Bruno Brandão - Ao mesmo tempo em que as Dez Medidas foram a única grande iniciativa brasileira que buscou dar uma resposta abrangente à corrupção, promovendo avanços em muitos pontos, importantes segmentos da sociedade apontaram algumas medidas como excessivas ou problemáticas. As novas medidas se inspiram naquilo que as Dez Medidas trouxeram de positivo, mas ao mesmo tempo abandonam seus pontos negativos, isto é, deixam de lado propostas que poderiam ter seu uso perigosamente deturpado ou limitar recursos de defesa relevantes para os réus, principalmente os mais vulneráveis.

Quais são as principais diferenças dos 80 projetos de lei em relação às Dez Medidas?

A primeira diferença é de iniciativa: as Dez Medidas foram feitas pelo Ministério Público, uma instituição que, embora muito relevante, conta com uma experiência e abordagem delimitadas sobre o problema da corrupção. As novas medidas foram construídas pela sociedade, aproveitando o conhecimento e a experiência de diversas áreas do setor público e privado. Disso talvez resulte a segunda diferença, de abrangência. Enquanto as Dez Medidas se concentravam principalmente na investigação e punição, as novas medidas passam por isso, mas vão muito além. Tratam também de temas como prevenção, controle, participação social, transparência, acesso à informação, educação, desburocratização, democracia partidária, integridade empresarial. Se a corrupção é sistêmica, as novas medidas oferecem uma resposta igualmente sistêmica.

Quais foram as medidas mais eficazes que a TI e a FGV encontraram?

O que traz eficácia ao pacote é a interação entre suas diferentes abordagens, o que resulta numa resposta sistêmica a um problema que é complexo e dinâmico. A corrupção sempre contra-ataca, então uma resposta adequada ao problema é aquela que constrói um sistema de leis, instituições e comportamentos sociais que possam se reforçar mutuamente e manter os incentivos à integridade e aumentar os riscos para a corrupção. A TI buscou referências do que realmente tem funcionado contra a corrupção nos mais de cem países em que atuamos, e a FGV nos ajudou a adaptar estas medidas à realidade brasileira, além de encontrar, aqui mesmo, as boas ideias e soluções que estão sendo desenvolvidas. O resultado é o maior pacote anticorrupção do mundo, que queremos agora contar com contribuições da sociedade de forma ainda mais ampliada, para que ele faça sentido e seja eficaz na realidade brasileira.

Por que é preciso mudar leis para combater corrupção? Não é melhor mudar a cultura empresarial?

A experiência internacional mostra que os países que conseguiram controlar efetivamente a corrupção abordaram o problema de maneira integral e por várias frentes. Isso significa um conjunto de leis adequadas, instituições eficazes e independentes e, muito importante, um amplo consenso social sobre o valor da integridade. É exatamente isso que a iniciativa das novas medidas pretende fazer, propor melhorias em nossas leis e instituições, mas através de uma construção coletiva.

Por que corrupção privada tem de ser criminalizada?

Essa é uma grande lacuna do ordenamento jurídico brasileiro. Se alguém paga suborno a um funcionário de uma empresa para conseguir um contrato, a chamada bola, hoje no Brasil isso não está tipificado como corrupção porque não envolve o poder público. Esse é um grande obstáculo, por exemplo, para punir corruptos no futebol. Na maioria das vezes os clubes e federações são entidades privadas e não há envolvimento do poder público.

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