Cresce suicídio entre índios carajás em MT

De 2012 a 2016, segundo Ministério da Saúde, foram 35 casos, além de dezenas de tentativas

Rodrigo Vargas
São Félix do Araguaia (MT)

São três túmulos à flor do chão, em meio à área de mata que abriga o modesto cemitério local. Gravados à mão nas lápides improvisadas estão os nomes de três filhos de Waritaxi Iwyraru Karajá, 56.

Morador de Santa Isabel do Morro, a maior aldeia da etnia carajá na Ilha do Bananal (divisa entre Tocantins e Mato Grosso), ele diz que vem regularmente ao local para pensar nos filhos e tentar entender o que houve.

Os filhos de Waritaxi se suicidaram entre 2012 e 2016. O mais jovem tinha apenas 21 anos. Uma filha, que morreu aos 24, estava grávida de quatro meses. Na fala do pai, uma mistura de luto e perplexidade descreve os momentos que passa ao lado dos túmulos.

"Eu venho aqui e fico pensando, pensando, mas até hoje nunca descobri. Parece até uma doença, algo que vai contaminando as pessoas. Tem muita gente que diz que é feitiço. Às vezes acredito, depois deixo de acreditar."

Incentivador da cultura, cantor de músicas tradicionais, bom de bola e campeão do ijesu, a luta tradicional da etnia, o filho de Iwraru Karajá, 52, cacique da aldeia Watau, tinha 25 anos quando se matou em 2016.

"Era meu único filho e minha dupla. Cantava comigo, caçava comigo, era um grande lutador e um defensor da cultura. Tinha emprego e mulher bonita. Quando escuto que o índio se mata por falta de dinheiro ou de comida, eu penso: esse nunca foi o caso do meu filho", relata.

SUICÍDIOS

Waritaxi e Iwararu não são os únicos à procura de motivos. De 2012 a 2016, segundo dados do Ministério da Saúde, foram 35 suicídios entre os carajás, além de dezenas de tentativas —a mais recente, no início de janeiro.

A maioria dos casos envolvia jovens do sexo masculino, entre 11 a 25 anos.

Waritaxi Iwyraru Karaja, cujos três filhos cometeram suicídio - Danilo Verpa/Folhapress


Os dados de 2017 ainda não foram divulgados, mas é consenso entre líderes e autoridades que a situação se agravou. A população da etnia é de cerca de 4.200 pessoas. 

"Depois de ter diminuído, [a situação] voltou a preocupar em 2017", diz o procurador da República Alvaro Manzano, do Ministério Público Federal do Tocantins.

Só nas vizinhas Santa Isabel e JK, segundo a Folha apurou, foram registrados oito casos no ano passado.
"Estamos muito preocupados. Os jovens são nosso futuro e estão morrendo sem explicação", diz Juanahu Karajá, 37, recém-escolhido cacique de Santa Isabel.

Em setembro, um levantamento do Ministério da Saúde demonstrou que a taxa de suicídio entre os povos indígenas é quase três vezes superior à média nacional. 

À ocasião, a representante da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), Lívia Vitenti, citou os carajás, juntamente com os ticunas e guarani caiuás, como os grupos mais atingidos no país.

Os carajás estão distribuídos por 68 aldeias na região do rio Araguaia, entre os Estados de Goiás, Tocantins, Mato Grosso e Pará. 

A maior parte da população vive em 12 aldeias localizadas na maior ilha fluvial do mundo, a do Bananal, com cerca de 25 mil quilômetros quadrados —abrangendo os municípios de Pium, Caseara, Formoso do Araguaia, Lagoa da Confusão e Marianópolis, no Tocantins.

Circundada pelas águas dos rios Araguaia e Javaé, a ilha concentra também a maioria dos casos de mortes por suicídio que, desde 2011, têm sido registrados com mais frequência pelo Distrito Sanitário Especial Indígena do Araguaia (DSEI Araguaia), localizado em São Félix do Araguaia (MT).

A dez minutos de barco da principal aldeia, o município mato-grossense é o principal ponto de contato com a sociedade não indígena, oferecendo acesso à saúde, serviços, bens de consumo, alimentos industrializados e, não raro, bebida alcoólica. 

ÁLCOOL

Além da hipótese de feitiços, supostamente lançados em razão de desavenças internas, as lideranças da etnia ouvidas pela Folha citaram o crescente consumo de álcool, a introdução de drogas como a maconha e o afastamento de práticas tradicionais como possíveis fatores de risco.

"Eu sofri muito quando era jovem. Só que no meu tempo tinha muita atividade. Nossas cabeças eram ocupadas. Havia uma base. Hoje estamos tentando recuperar isso, mas o jovem ainda sente falta de alguma coisa que ninguém sabe o que é", diz o cacique Juanahu.

Há ainda quem afirme que a dificuldade para dar continuidade aos estudos e as limitações decorrentes dessa interrupção estariam a levar os jovens ao desânimo e à depressão. Talvez todas as possibilidades devam ser levadas em conta.

"Entre a população indígena há várias situações e contextos que podem levar ao suicídio", diz trecho de nota encaminhada pela Sesai. "Dessa forma devem ser rejeitadas todas as explicações simplistas e unívocas".

Segundo Manzano, embora não haja consenso em relação às causas, os órgãos que possuem alguma atribuição voltada às comunidades indígenas "têm obrigação de agir".

Uma abordagem para enfrentar o problema é capitaneada pelo pastor evangélico aposentado João Werreria Karajá, 77. Ao lado da mulher Lenimar, que é da etnia Kanela, ele decidiu há dois anos abrir uma espécie de retiro espiritual para o tratamento de casos de depressão e alcoolismo entre os carajás.

A nova aldeia, batizada com seu sobrenome, fica a pelo menos quatro horas de barco da zona urbana mais próxima.

"Escolhemos uma área de difícil acesso, longe das aldeias grandes e da cidade de São Félix do Araguaia. Ali podemos colocar em prática o que faziam nossos antepassados: cada um trabalhando por seus alimentos. A Ilha do Bananal nos permite viver uma vida saudável. É uma terapia", explica.

Até o momento, segundo ele, três indígenas aceitaram participar do retiro. "Um deles está há seis meses sem beber", diz Werreria, que está erguendo no local um alojamento com capacidade para 16 internos.

A iniciativa recebeu apoio do promotor de São Félix do Araguaia, Emanuel Escalante, que em 2016 abriu um procedimento para investigar o aumento nos casos de suicídio e cobrar respostas de órgãos federais.

"Mesmo não sendo uma atribuição da promotoria, não poderia simplesmente lavar as mãos e passar o caso adiante. Esse é um problema do Brasil", afirma.

OUTRO LADO

A assessoria do Ministério da Saúde diz que a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai) "realiza o monitoramento de casos de óbitos e tentativas de suicídio no DSEI [Distrito Sanitário Especial Indígena] Araguaia desde que iniciou a ocorrência desses óbitos em 2011". 

"Cabe ressaltar que a Sesai tem realizado a vigilância epidemiológica e desenvolvido uma série de estratégias de cuidado das pessoas com possível ideação suicida." 

A prevenção ao suicídio, de acordo com o ministério, é trabalhada de modo "intersetorial". "Equipes de saúde que atuam diretamente nas aldeias desenvolvem ações estruturadas que formam a Linha de Cuidado de Prevenção ao Suicídio".

Atualmente, o DSEI Araguaia dispõe de dois psicólogos para o atendimento à saúde mental de uma população de mais de 4.000 indígenas de sete etnias. Outra vaga está em aberto, aguardando processo seletivo.

"As ações visam acolher a família em que alguém já cometeu suicídio para prevenir futuras tentativas de suicídio. A estratégia foi implantada em 2014 e em 2015 foi transformada em prioridade para ações de saúde mental do Departamento de Atenção à Saúde Indígena da Sesai", afirma a pasta.

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