Democracia brasileira está pressionada, mas resiliente, diz autor de estudos sobre Brasil

Em entrevista à Folha, Matthew M. Taylor analisou a situação política do país

Daniel Buarque
Londres

O Brasil foi considerado uma “democracia falha” no recente Índice de Democracias do think tank Economist Intelligence Unit (EIU), da revista “The Economist”. Apesar das fortes pressões sobre o sistema político nos últimos anos, a democracia do país tem se mostrado resiliente mesmo em meio a uma crise “sem paralelos”, segundo o professor da American University, em Washington, DC, Matthew M. Taylor.

Autor de vários estudos internacionais sobre democracia e corrupção no Brasil, como ''Corruption and Democracy in Brazil''(Corrupção e democracia no Brasil), “Brazil on the Global Stage” (Brasil no Palco Global), e ''Judging Policy'' (Julgando Política), Taylor viveu no Brasil de 2006 a 2011, quando trabalhou na USP. Para ele, há uma exaustão da população em relação às atuais instabilidades, mas o Executivo e o Legislativo já passaram por seus testes, e não há risco de mudança de regime. Agora é o Judiciário, diz, que precisa superar a crise e manter sua independência reduzindo seus privilégios.

O professor da American University Matthew M. Taylor - Kaitie Catania/American University/Divulgação

Em entrevista à Folha, ele analisou a situação política do país após a condenação em segunda instância do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva meses antes da eleição presidencial. Em sua avaliação, há motivos para um otimismo cauteloso em relação ao país. “Saindo dessa crise, o Brasil vai oferecer lições importante para o resto do hemisfério e potencialmente para democracias do mundo todo.”

Folha - O relatório mais recente do Índice de Democracias da Economist Intelligence Unit diminuiu a nota do Brasil e chamou o país de “democracia falha”. Qual você acha que é o estado de saúde da democracia brasileira?
Matthew M. Taylor - O Brasil sofreu uma crise sem paralelos. Se pensarmos sobre os últimos cinco anos, o Brasil enfrentou a pior recessão em um século e uma crise política que consumiu o mandato de uma presidente e dois anos do mandato de Michel Temer. O escândalo de corrupção poupou poucos políticos e criou uma mobilização social que está entre as maiores do século no mundo. É uma pressão enorme sobre a democracia. Claramente há uma enorme exaustão entre os brasileiros e uma certa frustração com a classe política, mas institucionalmente, grande parte das instituições parecem estar funcionando da forma que foram desenhadas para funcionar. Ninguém tem dúvida de que a eleição vai acontecer e que não vai haver nenhuma intervenção para mudar o regime político. A democracia está se demonstrando muito resiliente. 

Em 2016, na época do impeachment, você dizia que os políticos poderiam ser criticados, mas as regras institucionais estavam sendo seguidas. 
Sim. Continuo achando isso. A dúvida agora não é em relação às instituições políticas. O momento do perigo em relação ao Congresso e à Presidência passou. essas instituições sobreviveram a um abalo muito forte. O Judiciário é que agora é colocado em uma posição um pouco preocupante. Começo a achar que há uma crise do Judiciário

Em que sentido?
A independência do Judiciário é essencial para o funcionamento da democracia, mas não pode ser confundida com privilégios sem nenhuma contrapartida.

A gente sempre soube que, embora o Brasil tenha visto grandes sucessos na luta contra a corrupção nos últimos cinco a dez anos, esses sucessos foram exceções. Para a maior parte dos processos e dos litigantes o judiciário é uma instituição que funciona mal. Além disso há um "pushback", uma revanche das outras instituições. Estamos vendo essa resposta com as notícias sobre auxílio moradia do Marcelo Bretas e do Sergio Moro. Os privilégios que os juízes se auto-outorgam são insustentáveis em um sistema que está à beira do colapso fiscal. Haverá uma pressão nesse sentido contra o Judiciário, para tentar diminuir um pouco os privilégios. 

Isso não é de todo mal. Quando pensamos o custo-beneficio do Judiciário, vemos que há problemas. O custo do Judiciário brasileiro é astronômico, de cerca de 1,7% do PIB, quando na maior parte dos países esse custo é abaixo de 0.5%. É um sistema que não está entregando.  A Operação Lava Jato mostrou que é possível fazer a instituição funcionar de forma séria, quando necessário.

Acha que a Operação Lava Jato vai ter algum resultado prático na luta contra a corrupção no Brasil?
Sim. Um teste da efetividade da Lava Jato vai ser a eleição deste ano. A Lava Jato mudou a perspectiva popular sobre a corrupção e sobre o que é permitido. Até a operação, as pessoas suspeitavam que houvesse corrupção no Brasil, sempre havia evidências e denúncias da corrupção espalhadas na política, mas não se sabia da profundidade do problema. Essa conscientização do público é muito importante, e já podemos ver alguns impactos, e o maior deles vai ser no novo Congresso. Hoje há propostas legislativas pendentes em relação à corrupção. O novo congresso talvez não tenha liberdade para deixar essas propostas paradas.

Sou cautelosamente otimista. Acho que ao longo dos 30 anos de democracia se acumulou uma capacidade muito grande de luta contra a corrupção. São muitos órgãos como a antiga CGU, a Polícia Federal, o Ministério Público. Embora esteja tudo em compasso de espera, ainda existe um espaço para esses órgãos se reerguerem.

Qual a sua perspectiva para a eleição de outubro?
O mundo inteiro pode mudar até outubro. O fato de Lula ficar na disputa até a última hora vai criar um novo contexto para a eleição. Dificilmente o judiciário vai encontrar uma forma de livrá-lo e permitir que ele seja candidato. Isso significa que será uma eleição sobre o legado dele e do PT. Isso, acho, fortalece a candidatura de Bolsonaro e da direita de maneira geral. 

Ele ainda tem mais de 30% de intenção de votos, por que acha que a pré-candidatura dele favorece a direita?
Lula continuar concorrendo torna a disputa sobre o histórico dele. Nessas circunstâncias é muito difícil que o debate político seja sobre outras questões, como as reformas econômicas necessárias para o país. Se Lula não estivesse na disputa, isso abriria espaço para um debate mais amplo sobre o que seria o mandato a partir de 2019, quais seriam as reformas necessárias e qual seria o programa de governo de cada candidato. Enquanto Lula é o principal candidato da esquerda, o centro e a direita vão procurar um candidato que responda a ele.

E acha que Bolsonaro é este nome que a direita vai apoiar?
Hoje em dia se fala muito na disputa entre Bolsonaro e Lula, mas acho que daqui a alguns meses estaremos falando mais em uma disputa entre os candidatos que têm maior capacidade de aglutinar partidos. Os principais candidatos em cada eleição sempre foram os que tiveram coalizões mais abrangentes, com maior apoio de partidos. Nessa eleição, Bolsonaro dificilmente vai ter este tipo de apoio.
Bolsonaro talvez não acabe sendo o nome central contra Lula. Ele tem muitas fraquezas como candidato. Não é uma pessoa com apelo abrangente e concorre por um pequeno.  Alckmin, apesar de ter pouco apoio hoje em dia, consegue aglutinar partidos e pode construir uma coalizão de centro-direita que pode ser relativamente abrangente. Além disso, a possível entrada de Luciano Huck é uma incógnita. Ele é um dos únicos candidatos de fora da política que teriam capacidade de aglutinar partidos em uma coalizão montada para ele por partidos existentes no centro e centro-direita.

A condenação de Lula no TRF-4 gerou um forte debate sobre o processo jurídico, mesmo fora do Brasil. Apoiadores do ex-presidente diz que não há provas contra ele. O codiretor do Centro de Pesquisas Econômicas e Políticas de Washington, Mark Weisbrot, disse que o julgamento enfraquecia a democracia brasileira, e o colunista da Folha Matias Spektor atacou este tipo de crítica e disse que o julgamento de Lula atrai idiotas úteis no exterior. Como vê o julgamento?
Em qualquer país, quando há um caso de corrupção, é muito difícil mostrar uma troca específica. Os processos de corrupção em nível global sempre sofrem deste mesmo mal. Eles têm que ser julgados na base da preponderância das evidências. É uma triangulação de evidências. Isso dá margem a críticas, mas não é um problema brasileiro. É um problema para procuradores que lutam contra a corrupção no mundo inteiro.

O curioso da condenação de Lula é que o PT adotou simultaneamente uma estratégia legal e outra política. De usar a condenação e fazer manifestações não somente para tentar coibir os desembargadores da quarta região, mas também para animar os próprios afiliados. Entendo a estratégia, que politicamente é muito racional e talvez até inteligente. Mas para os estrangeiros que escrevem sobre o Brasil, essa dupla estratégia confunde muita gente.

Mas acha que o processo foi todo correto e não há espaço para críticas?
Há duas questões que permitem que a crítica ao julgamento de Lula seja levantada e levada a sério. A primeira tem a ver com a origem dos procuradores e dos juízes, que com poucas exceções vêm da classe média alta, da elite econômica, e são as pessoas que sempre estiveram no poder. Não quero dizer que não sejam pessoas qualificadas, mas são pessoas da elite, e mesmo não sendo partidários talvez tenham interesses em comuns com réus em casos do colarinho branco.

O segundo ponto é que embora as evidências da partidarização do judiciário sejam parcas, os processos relevantes de corrupção que tocam na oposição ao PT, por diversos motivos, não estão sendo considerados neste momento. Não acho que isso seja resultado de uma preferência partidária dentro do judiciário. Isso acontece por motivos que são institucionalmente aprovados, mas que não deixam de ser trágicos de certa maneira. As condenações da Lava Jato seriam muito menos politizadas se todo mundo tivesse passado pelo menos rito processual.

Como a crise e a eleição afetam a posição internacional do Brasil?
Acho que a situação do Brasil no mundo não é nem tanto para o céu nem tanto para a terra. Houve um certo exagero quando o Brasil estava "emergente" e há um exagero agora que o Brasil está em crise. Aqui em washington, muita gente está interessada em como o Brasil pode servir de exemplo para o hemisfério. O país pode ser exemplo tanto da luta contra a corrupção, quanto de uma democracia resiliente, ao passar por essa crise.

Saindo dessa crise, o Brasil vai oferecer lições importante para o resto do hemisfério e potencialmente para democracias do mundo todo.

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