Patrícia Campos Mello
São Paulo

 clima crescente de preocupações legais, éticas, filosóficas, políticas e até de saúde com os efeitos negativos da revolução digital estão conduzindo o mundo a um ponto de inflexão, que levará a um ajuste de curso. Essa é a análise de Rosental Alves, diretor do Centro Knight para o Jornalismo nas Américas da Universidade do Texas em Austin.

No discurso de abertura do 2º Encontro Folha de Jornalismo, em comemoração do 97º aniversário do jornal e do lançamento do novo Manual da Redação, Alves indicou que os governos europeus estão adotando importantes medidas para garantir a privacidade e as práticas comerciais na rede. Essas ações, disse, afetarão cada vez mais a atuação do Google, do Facebook e demais plataformas nos países da União Europeia.

Nos Estados Unidos, onde o governo atual é bastante resistente a regulamentação, há ao menos uma "uma conscientização sobre os efeitos potencialmente perigosos e daninhos das redes sociais e do uso de uma quantidade astronômica de dados pessoais para fins comerciais".

"Saímos da era dos meios de massa para entrar na era da massa de meios, onde cada um de nós pode formar audiências", disse Alves, que estuda a revolução digital há 22 anos. "Essa abundância comunicacional, porém, tem causado mais cacofonia e confusão do que se esperava. Mais informação tem significado menos pessoas informadas."

O professor citou reportagem da revista "Wired" que, segundo ele, mostra como o Facebook tem cometido erros e vem enfrentando pressão e críticas de parlamentares, ex-funcionários e dos meios de comunicação.

"Mas também fica claro que Facebook finalmente começou a reconhecer erros e buscar consertar alguns", disse.

As tentativas, no entanto, também geraram polêmica. A rede social anunciou que passaria a privilegiar a comunicação interpessoal nos perfis de seus usuários e fazer desparecer os posts de empresas, inclusive jornalísticas, como forma de combater as "fake news". "Mas o tiro saiu pela culatra; a medida acaba beneficiando as 'fake news' e prejudicando o jornalismo sério e profissional."

Ele lembrou que, como reação à decisão do Facebook, a Folha anunciou que não iria mais atualizar sua página na plataforma de Mark Zuckerberg. "A Folha se tornou notícia no mundo todo", lembrou Alves. Ele mencionou que o Brasil já tinha se destacado ao decidir, anos atrás, que todos os jornais membros da ANJ iriam sair do Google News, porque acreditavam que o agregador de notícias estava lhes prejudicando.

"A insatisfação dos publishers com o Facebook é geral, apesar de a plataforma continuar tentando consertar erros e responder a críticas", disse Alves.

Outras tentativas das grandes empresas de tecnologia seriam mais bem-sucedidas, segundo Alves. "O Google vem realizando um sincero esforço por ajudar jornalistas e empresas jornalísticas, através de programas como o Google News Lab."

Para Alves, existe uma mudança clara no ambiente midiático atual. Segundo o acadêmico, a ideia de que as empresas de tecnologia são meramente plataformas, e não empresas de mídia, e, portanto, não devem ser reguladas como tal, é equivocada.

"A ideia de que as plataformas são tão neutras em relação ao seu conteúdo quanto uma companhia telefônica é sobre o que as pessoas dizem nas ligações funcionou por algum tempo, mas não vale mais", disse.

"Tampouco funciona a ideia de que as plataformas não são publishers, não são mídia, mas apenas empresas de tecnologia." De acordo com ele, "foi essa neutralidade, esse distanciamento de Poncio Pilatos, que permitiu a interferência russa na eleição americana" em 2016.

"As recentes decisões corretivas do Facebook, do YouTube e de outras plataformas as transformam em mídia, em publishers de fato e de direito. Por mais que digam que não, elas o são."

Para o acadêmico, é hora de enfatizar a responsabilidade social das plataformas em relação ao jornalismo e ao perigo da disseminação de notícias falsas e de desinformação. Alves acredita que facilitar a venda de assinaturas é um exemplo concreto de como as plataformas podem ajudar na sustentabilidade de uma instituição indispensável para a democracia.

Ele citou uma pesquisa do Gallup e da Knight Foundation que mostra a queda de credibilidade na imprensa. "Para 79% dos americanos entrevistados, 'Uma notícia verdadeira que deixe mal um político ou um grupo político' é sempre ou às vezes fake  news", disse. "Que democracia é esta, que mundo é este em que o jornalismo luta para sobreviver e a sociedade não acredita que uma notícia verdadeira seja verdadeira? "

O diretor do centro Knight concluiu sua fala advertindo para a necessidade de encontrar soluções "para problemas graves criados pela revolução digital, como a sustentabilidade do jornalismo, porque nenhum robô, nenhum algoritmo, vai encontrar."

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