Descrição de chapéu

Extra para servidor custa 1/4 do Bolsa Família

Auxílio-moradia e benefícios para juízes e outros cargos da elite do funcionalismo público passam de R$ 7,2 bi

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Bruno Carazza
Dois prédios com uma árvore entre eles
Condomínio do bairro dos Jardins, região nobre de São Paulo, em que juiz possui um de seus 60 imóveis. Magistrado recebe auxílio-moradia - Rafael Roncato - 02.fev.2018/Folhapress

A recente polêmica envolvendo o auxílio-moradia no Judiciário demanda um olhar mais abrangente sobre o processo que gera distorções salariais no serviço público.

Quando o Congresso estabeleceu que o vencimento máximo no setor público seria o subsídio dos ministros do STF (Supremo Tribunal Federal), a intenção era coibir abusos. No entanto, o que era para ser teto passou a ser encarado por diversas corporações como uma meta.

Em Brasília, os salários e benefícios são tanto maiores quanto o poder de pressão das categorias.

Foi assim que juízes estaduais (e, por simetria, membros do Ministério Público e de Tribunais de Contas) conseguiram garantir na Constituição um vínculo automático (90,25%) de seus salários com os dos ministros do Supremo. E servidores de carreiras da elite dos Poderes Executivo e Legislativo conseguiram reajustes tão superiores à inflação que levaram seus ganhos a tangenciar o teto.

Com o agravamento da crise fiscal, o governo tem segurado reajustes para os ministros do STF buscando conter o efeito cascata sobre todo o funcionalismo. Nesse contexto, o auxílio-moradia surgiu como uma forma de autoconcessão de um aumento salarial disfarçado, burlando o teto.

O problema do auxílio-moradia, contudo, não é exclusividade do Judiciário. O Executivo também gasta uma parcela expressiva com esse benefício para ministros, altos dirigentes, militares e diplomatas. E para agravar a situação, a estratégia de criar penduricalhos salariais tem se espalhado por outras carreiras poderosas em Brasília.

Em 2016, os membros da Advocacia-Geral da União conseguiram em lei o direito a receber honorários de sucumbência pelas causas ganhas pela União (pagos pela parte perdedora).

De acordo com dados do Portal da Transparência, de fevereiro a novembro de 2017 essa rubrica engordou os contracheques em R$ 3.800 mensais, em média.

Já em 2017 foi a vez de os auditores e analistas da Receita Federal garantirem, também em lei, um bônus de eficiência e produtividade. Enquanto o governo não regulamenta a forma de ​cálculo desse extra salarial, os servidores do órgão vêm recebendo entre R$ 1.800 e R$ 3.000 por mês.

Em face da grave crise fiscal, o governo tentou suspender o reajuste linear de 5% sobre as principais carreiras do Executivo concedidos por Michel Temer em 2016. Uma liminar do ministro Ricardo Lewandowski, contudo, garantiu um aumento superior à inflação para esses servidores, que já ganham entre R$ 20 mil e R$ 30 mil mensais.

Uma rápida conta de guardanapo de bar oferece uma medida do grau dessas distorções. O Brasil tem atualmente 18.011 juízes e 13.087 membros do Ministério Público. Considerando o valor de R$ 4.377,73 mensais do auxílio-moradia, temos R$ 1,63 bilhão por ano. Somando-se os R$ 380 milhões que o Poder Executivo gastou em 2017, a fatura passa de R$ 2 bilhões.

Somam-se a eles mais R$ 580 milhões anuais pelos honorários de sucumbência da AGU e outros R$ 2 bilhões previstos para o bônus dos fiscais da Receita. Já o reajuste salarial para as carreiras da elite do Executivo, por sua vez, ficará em torno de R$ 2,6 bilhões em 2018.

No conjunto, esses penduricalhos e reajustes para carreiras privilegiadas do setor público passam de R$ 7,2 bilhões por ano.

Para fins de comparação, o orçamento do Bolsa Família em 2018 é de R$ 28,7 bilhões. Ou seja, apenas com esses agrados a poucos milhares de servidores que já se encontram no topo dos 2% ou 3% mais ricos da pirâmide de renda brasileira, a União e os Estados despendem em torno de 25% do maior programa social do país, que atende quase 14 milhões de famílias miseráveis.

A culpa da crise fiscal não é nem de longe exclusiva dos servidores públicos. As centenas de bilhões dos incentivos fiscais concedidos na última década para grandes empresas têm uma responsabilidade muito maior.

Mas é inegável que também precisamos de uma completa revisão da política remuneratória no serviço público, visando erradicar toda forma de penduricalhos e pagamentos indevidos num país tão desigual.

BRUNO CARAZZA é doutor em Direito (UFMG) e mestre em Economia (UnB). É autor do blog O E$pírito das Leis

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.