Nomeação de delegada, travada após suicídio de reitor, saiu após pressão de sindicato

Oficialização de ex-membro da Lava Jato para superintendência se arrastou desde novembro

Wálter Nunes
São Paulo

A indicação da delegada Erika Marena para o comando de uma unidade da Polícia Federal parecia ter caminho pavimentado. Após três anos na coordenação da Operação Lava Jato, em Curitiba, ela foi transferida para Florianópolis, em fevereiro de 2017. Seria o último degrau até a promoção para a chefia de uma superintendência estadual. Na quarta-feira (21) o "Diário Oficial" da União estampou sua nomeação para o cargo de superintendente da PF em Sergipe.

O caminho até a oficialização, porém, foi tortuoso e ela só aconteceu após forte pressão da Associação dos Delegados da Polícia Federal.

A delegada Erika Marena em sua mesa na PF de Curitiba. Ela é loira e usa óculos. Pendurado em sua cadeira está um colete com o distintivo da PF.
A delegada Erika Marena durante entrevista em Curitiba - Rodolfo Buhrer - 1.jun.2016/Reuters

A informação de que Marena chefiaria a polícia sergipana foi noticiada em novembro, num pacote de troca no comando de várias unidades promovido pelo recém-empossado diretor-geral, Fernando Segovia. Três meses depois do anúncio, ela ainda não havia sido confirmada no cargo. O motivo oficial da demora eram as dúvidas sobre a conduta da delegada em uma investigação em Santa Catarina.

Marena é a responsável pela Ouvidos Moucos, investigação sobre supostos desvios em repasses do programa federal de educação à distância para a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina). Em 14 de setembro, a pedido da delegada, professores foram presos, entre eles o reitor, Luiz Carlos Cancellier de Olivo. Ele não era suspeito de desvios, mas a delegada considerou que o reitor estaria tentando atrapalhar uma investigação interna. Além de solicitar a prisão por cinco dias, ela também quis que ele fosse impedido de entrar no campus, o que foi acatado pela juíza Janaína Cassol.

Cancellier foi libertado no dia seguinte pela juíza Marjorie Freiberguer, que substituiu Cassol. Freiberguer considerou não haver fatos que sustentassem que o reitor significava ameaça à investigação. A restrição de entrar na UFSC, porém, foi mantida.

No dia 2 de outubro, Cancellier atirou-se do sétimo andar de um shopping de Florianópolis. A motivação do ato estava descrita num bilhete encontrado no bolso da sua calça. “A minha morte foi decretada quando fui banido da universidade!!!”. A comoção pela morte do reitor jogou pressão sobre Segovia e o ministro da Justiça, Torquato Jardim, que deixaram a promoção de Marena em compasso de espera.

A família do acadêmico enviou um ofício ao Ministério da Justiça pedindo apuração da conduta da delegada. Uma sindicância foi instalada e, um mês depois, a delegada foi absolvida pelos colegas da PF catarinense. A Folha revelou que o primeiro parecer sobre o caso foi assinado pelo delegado Luiz Carlos Korff, responsável pela assessoria de imprensa dela e de todos os delegados catarinenses. A conclusão de Korff, isentando Marena, foi seguida pelos outros membros da sindicância.

Em janeiro, Torquato declarou, em visita a Florianópolis, que enviou o resultado da apuração interna à família de Cancellier e esperaria uma posição dos parentes antes de decidir sobre a nomeação. A manifestação dos parentes não aconteceu, mas o contra-ataque dos sindicalistas não demorou.

O presidente da associação, Edvandir Félix de Paiva, disse à Folha que quando soube, pela imprensa, que o ministro somente faria a nomeação depois da manifestação da família do reitor, buscou informações na PF e no Ministério da Justiça. Mais tarde, em reunião com Segovia, Paiva disse que um veto ao nome de Marena ficaria parecendo represália por ela ter “desagradado a poderosos” na sua atuação a frente da Operação Lava Jato.

Marena foi a mais votada por associados da ADPF em uma eleição que resultou numa lista tríplice, entregue ao presidente Michel Temer, em maio de 2016, como sugestão para o cargo de diretor-geral. A lista não é reconhecida pela maioria dos policiais e foi rejeitada por Temer.

A delegada também foi inspiração para a construção da personagem Bia, heroína do “A Lei é Para Todos”, filme que romanceia a investigação policial mais famosa do país. Na obra Marena é vivida pela atriz Flávia Alessandra e tratada pelos colegas como “generala” da investigação. A ADPF trabalhou na divulgação do filme.

OUVIDOS MOUCOS

A operação Ouvidos Moucos ainda não foi concluída. Erika Marena só se manifestou sobre a operação durante a entrevista coletiva no dia da prisão dos professores e do ex-reitor. A assessoria da PF tem dito que o encarceramento de Cancellier se justificou em depoimentos e numa prova documental, que é um ofício em que o reitor retira da corregedoria uma investigação sobre o EaD.

Folha revelou que um mês antes da prisão, Cancellier enviou ofício à CGU (Controladoria-Geral da União) em que aponta irregularidades na investigação da corregedoria e que a demora numa conclusão havia causado o bloqueio de repasses para mais de dez cursos da UFSC, trazendo prejuízos à universidade.

Também deixou exposto que havia conflito entre reitor e o corregedor-geral, Rodolfo Hickel do Prado, principal testemunha evocada por Marena para o pedido de prisão de Cancellier.

Acioli Antonio de Olivo, irmão de Cancellier e autor do ofício que pediu apuração sobre a conduta da delegada, recebeu consternado a notícia da promoção de Marena. “O que eu, que nada conheço de leis, posso dizer? Nada, exceto concluir que, na visão das mais altas autoridades jurídicas do país, o culpado pela morte de meu irmão foi ele mesmo”, diz.

Edvandir de Paiva, presidente da ADPF, disse que está satisfeito com a nomeação. “Bom para a PF que teve uma indicação técnica confirmada.”

A Polícia Federal e a delegada Marena foram procuradas pela reportagem, mas não responderam aos pedidos de entrevista.

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