Descrição de chapéu operação lava jato

Camaleão político, Delfim mantém influência há cinco décadas

Ex-ministro foi peça-chave da ditadura militar, aconselhou Lula e Dilma e é próximo de Temer

Igor Gielow
São Paulo

Quando o assunto é o economista Antonio Delfim Netto, detratores e admiradores têm um denominador comum: poucos personagens da política brasileira mantêm capacidade de influenciar o debate público há tanto tempo quanto esse paulistano nascido em 1928.

O economista Antonio Delfim Netto, 89, durante entrevista em seu escritório em SP
O economista Antonio Delfim Netto, 89, durante entrevista em seu escritório em SP - Eduardo Knapp - 26.jun.2017/Folhapress

Homem multifacetado, ele personificou tanto o milagre econômico iniciado em 1967 e enterrado pelo primeiro choque do petróleo em 1973 quanto a debacle das contas públicas no ocaso da ditadura militar (1964-85) —quando o slogan “o povo está a fim da cabeça do Delfim” era cantado em manifestações.

Assinou tanto o Ato Institucional número 5, que solapou o que restava de liberdade civil no regime dos generais em 1968, quanto a Constituição promulgada 20 anos depois. Nunca se arrependeu: disse que desconhecia a tortura e a repressão do regime, e que os instrumentos totalitários do AI-5 ajudaram a organizar a economia.

Sua fama começara cedo. Aos 38 anos, tendo despontado como secretário da Fazenda de São Paulo, foi levado a Brasília pelo general Costa e Silva, que o entronizou como o mais novo ministro da área da história.

Ficou na cadeira até 1974, gerenciando crescimento chinês (taxas em torno de 10% ao ano) e obras mastodônticas que acabaram a elevar a dívida externa. Lançou na grande política o amigo Paulo Maluf, indicado por ele para presidir a Caixa Econômica Federal em 1967.

Preterido pela ditadura para ser governador biônico de São Paulo, acabou no confortável posto de embaixador em Paris, cargo no qual sofreu a primeira acusação de corrupção envolvendo construção de hidrelétricas.

O famoso “Relatório Saraiva”, assinado pelo adido militar da embaixada em 1976, citava uma suposta propina de US$ 6 milhões paga pelo banco francês que financiou a obra de Tucuruí para que fornecedores do país fossem favorecidos. Delfim sempre negou a acusação, que nunca foi apurada.

Voltou ao poder na gestão do último presidente-general, João Figueiredo, em 1979. Esquentou a cadeira na Agricultura e em seguida assumiu o Planejamento. Foi o período mais contestado de sua vida pública, de crise aguda.

Dele, Delfim guarda uma coleção de caricaturas que exploravam sua figura obesa, estrábica e portadora de óculos de armação grossa. Dono de humor mordaz, segundo conhecidos, compartilha com o estadista britânico Winston Churchill a fama de grande frasista —mesmo quando não é o dono do aforismo.

Diz por exemplo que nunca usou a frase “Primeiro é preciso fazer crescer o bolo, para depois reparti-lo” para explicar o milagre econômico, por exemplo.

Reservado na vida pessoal, é viúvo e tem uma filha. Cultivou amigos e inimigos na mesma medida. O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso afirmou há alguns anos num alentado perfil do ex-ministro na revista Piauí que tinha “horror” a ele pelo seu papel na cassação do então deputado Mário Covas —o que Delfim negou.

FHC, assim como José Sarney, foi dos poucos presidentes do período democrático com quem Delfim não tinha bom trânsito. Criticava duramente o tucano, a quem acusava de ter “quebrado o Brasil”. Um economista amigo de ambos brinca que eles não poderiam entrar no mesmo elevador, dado o tamanho dos egos e da capacidade intelectual de cada um.

Sua importância no cenário político, que nunca deixou de fato ao ser deputado por cinco vezes de 1987 a 2006, ressurgiu com muita força nos governos petistas —dados ao desenvolvimentismo sempre associado a Delfim.

Ironia histórica, dado que o PT estava na linha de frente das críticas à ditadura que tinha Delfim como estrela no seu final agônico. Luiz Inácio Lula da Silva aproximou-se dele, e o então superministro Antonio Palocci o consultava frequentemente —a associação que a Lava Jato agora apura entre os dois teve origem ali.

Dilma Rousseff também falava bastante com o ex-ministro, embora mais ao fim de seu mandato interrompido em 2016 Delfim já fosse um crítico da política econômica que jogou o país em recessão, embora contrário ao impeachment. E um apoiador de primeira hora de Michel Temer, que o ouviu longamente num encontro logo após se tornar presidente interino.

A capacidade analítica, expressa em artigos em jornais como a Folha, da qual é colunista há 32 anos, também é outra marca de Delfim. Sua extrema maleabilidade política e programática é apontada por críticos como sinal de oportunismo; apologistas veem maturidade adaptativa.

Seja como for, de ícone do desenvolvimentismo a defensor de reformas como a da Previdência, de anticomunista a amigo do PT, Delfim mantém-se relevante. Para bem e para mal: tendo escapado ao caso francês e ao escândalo Coroa-Brastel, sobre financiamentos indevidos da Caixa nos anos 1980, o ex-czar da economia chega aos quase 90 anos nas manchetes derivadas da Operação Lava Jato.
 

Erramos: o texto foi alterado

Delfim Netto foi ministro do Planejamento no governo de João Figueiredo, e não ministro da Fazenda, como informado incorretamente na versão anterior deste texto.

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