Descrição de chapéu Em 1968

Poder em 1968: PM mata estudante em confronto no Rio

Edson Luiz Souto, 18, foi baleado no peito durante protesto em restaurante; cortejo levou corpo até Assembleia

Corpo do estudante Edson Luiz, levado para a Assembleia Legislativa do Rio e colocado numa mesa no saguão de entrada
Corpo do estudante Edson Luiz, levado para a Assembleia Legislativa do Rio e colocado numa mesa no saguão de entrada - Arquivo - 28.mar.1968/Agência O Globo
Rodrigo Vizeu
Em 28 de março de 1968

O estudante secundarista Edson Luiz de Lima Souto, 181, foi morto com um tiro no peito nesta quinta-feira (28) pela tropa de choque da Polícia Militar da Guanabara2 durante um confronto no restaurante estudantil Calabouço, no centro do Rio.


1) A edição da Folha do dia seguinte informou incorretamente, como fizeram algumas autoridades e 
outros jornais, que o nome de Edson era Nelson, e que tinha 16 anos. Se estivesse vivo, ele teria 68 anos

2) Com o território do atual município do Rio, o estado existiu de 1960, quando deixou de ser o Distrito Federal, até 1975, quando foi incorporado ao estado do Rio


Há relatos ainda de pelo menos seis civis feridos, entre eles o também estudante Benedito Frazão Dutra, 203


3) Morreu dias depois em razão dos ferimentos 


O episódio começou com um protesto dos estudantes no restaurante para reivindicar comida de melhor qualidade e mais higiene. Também pediam a conclusão das obras no restaurante, que mudou no ano passado para uma área próxima de seu endereço antigo para dar espaço à construção de um trevo4


4) No aterro do Flamengo, o trevo leva hoje o nome de Edson Luiz


Por fim, os estudantes pediam acesso livre ao local de alimentação. Segundo eles, alunos vinham sendo barrados sob o pretexto de evitar a "infiltração de elementos estranhos".

Para as autoridades, no local, frequentado por alunos de 2º grau5 e vestibulandos de baixa renda, circulam agitadores críticos ao regime militar, que completa quatro anos no poder na semana que vem.


5) Atual ensino médio


Além de protestar, como fazem recorrentemente no edifício, os cerca de 300 estudantes presentes no Calabouço planejavam uma passeata até a Assembleia Legislativa.

Às 18h, chegou no local a tropa da PM —em torno de 25 homens com armas de fogo.

"Foi uma verdadeira operação de guerra", disse Elinor Mendes Brito, presidente da Frente Unida dos Estudantes do Calabouço6


6) Depoimento em 1997 à Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos


Os secundaristas inicialmente fugiram, mas depois começaram a vaiar e lançar pedras nos policiais.

"Quando os soldados voltaram, começou o tiroteio, vindo da galeria do edifício Legião Brasileira de Assistência", contou o cartunista Ziraldo Alves Pinto, 357, que observou o ocorrido da janela da revista Visão, onde trabalha. "Os estudantes fugiram em polvorosa das proximidades e, neste momento, eu vi um policial, em posição característica de tiro, saindo da galeria, e alguém caindo."


7) Fundador, em 1969, do jornal satírico O Pasquim, crítico da ditadura, chegou a ser preso após a edição do AI-5, no fim de 1968. Tem hoje 85 anos


Segundo o jornal O Globo, o disparo ocorreu enquanto um grupo de estudantes tentava libertar Edson Luiz, que havia sido detido pelos PMs.

Há controvérsias sobre quem deu o tiro fatal no jovem. Testemunhas citam como autor o aspirante da PM Aloísio Raposo8. Parlamentares no Rio e em Brasília9, porém, apontaram em discursos o tenente Alcindo Costa como o atirador.


8) Citado por Zuenir Ventura em “1968 - O ano que não terminou”

9) Entre eles, o deputado federal Márcio Moreira Alves (MDB-GB), autor de um discurso crítico ao governo que, meses depois, contribuiria para a edição do AI-5. Morreu em 2009


O secretário estadual de Saúde, Hildebrando Marinho, disse que viu de sua janela de trabalho os estudantes iniciarem o conflito, agredindo PMs e depredando um carro da polícia.

Os policiais deixaram o local rapidamente após acertar o estudante. Segundo o governo estadual, 12 PMs, inclusive o tenente Alcindo, foram hospitalizados com ferimentos causados pelos alunos. Não há detalhes sobre o estado de saúde dos militares.

CORTEJO

Acreditando que Edson Luiz ainda estava vivo, seus amigos o levaram à Santa Casa de Misericórdia. Constatada a morte, o corpo foi transportado até a Assembleia. No caminho, alunos jogaram pedras na embaixada dos EUA.

O cadáver foi colocado sobre uma mesa do saguão de entrada do prédio do Legislativo estadual. Os estudantes não permitiram que policiais retirassem-no dali.

Até a conclusão desta edição, velavam o corpo no local, com filas para vê-lo. Entre os que prestaram homenagens à vítima estão artistas e intelectuais como Tônia Carrero, Hugo Carvana, Di Cavalcanti, Ferreira Gullar, Nara Leão, Cacá Diegues e Arnado Jabor.

Natural de Belém (PA), Edson Luiz nasceu em uma família pobre e migrou para o Rio para estudar. Além de estar matriculado no Instituto Cooperativo de Ensino, onde funciona o Calabouço, trabalhou como faxineiro.

Ele participava dos protestos por melhorias no restaurante, onde comia por dois cruzeiros10, mas não era uma liderança do movimento estudantil da cidade.


10) Cerca de R$ 4,70, em valores de hoje


Pelo país, estudantes anunciaram greves e assembleias permanentes. 

O corpo de Edison Luiz será enterrado nesta sexta-feira (29) no Cemitério São João Batista11, no Rio.


11) Um cortejo de cerca de 50 mil pessoas acompanhou o corpo até o cemitério. A missa de sétimo dia, na Candelária, foi um dos maiores atos da contestação à ditadura até então. Ficou célebre, entre outras, a frase de protesto “Mataram um estudante, podia ser seu filho!”


OUTRO LADO

O governador da Guanabara, Negrão de Lima12,  anunciou, em nota, o afastamento do general Osvaldo Niemeyer Lisboa, superintendente executivo da polícia. O oficial relatara que a tropa foi enviada ao Calabouço para impedir protesto contra a guerra do Vietnã.


12) Governador de 1965 a 1971, morreu em 1981


O governador se disse "profundamente chocado com a morte ocorrida na cidade" e que sempre deu "severas instruções para que se mantivesse intransigentemente a ordem, sem recurso a processo que pudesse ocasionar fatos como os de hoje à noite".

Ele ordenou o recolhimento ao quartel dos PMs envolvidos no caso, a libertação de estudantes presos e a instauração de uma investigação a cargo do Ministério Público.

O protesto complica a situação de Negrão de Lima. Ligado à ordem pré-1964, ele governa sob dupla pressão: do MDB, que lhe dá sustentação estadual e faz oposição ao Planalto, e da linha-dura do governo federal, que vê com maus olhos não ter alguém mais fiel à frente da Guanabara.

O presidente Costa e Silva13 lamentou o ocorrido. Nos bastidores, o governo federal recriminou a ação da PM, buscando se distanciar do ocorrido e defendendo punições exemplares14


13) Presidiu o país de 1967 a 1969, quando sofreu um derrame e foi substituído por uma junta militar

14) Que não ocorreram. Embora cite Alcindo como possível autor do tiro, o relatório da Comissão Nacional da Verdade, de 2014, não é categórico sobre a responsabilidade do tenente, defendendo “a continuidade das investigações e responsabilização dos demais agentes envolvidos”


O episódio também preocupa porque promete gerar instabilidade no momento em que o governo Costa e Silva tem emitido alguns sinais no sentido de promover algum tipo de distensão política15.


15) O que também não ocorreu. A morte de Edson Luiz foi o 1º grande acontecimento de uma escalada de crises e manifestações que elevou a tensão do país até a edição pelo governo, em dezembro de 68, do AI-5, que aprofundou a ditadura


Colaborou EDGAR SILVA

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