Relatório da OEA sugere que superfaturamento vire crime no Brasil 

Sobrepreço em obras públicas deveria ter "sanção pertinente à gravidade de tal conduta", diz relatório

Um relatório da OEA (Organização dos Estados Americanos) que avaliou as práticas anticorrupção no Brasil nos últimos cinco anos –em plena ascensão da Operação Lava Jato– elogiou as conquistas institucionais do país e recomenda, entre outros fatores, que legisladores tornem o superfaturamento um crime específico, a fim de combater desvios no setor público. 

O sobrepreço em obras públicas deveria ter “uma sanção pertinente à gravidade de tal conduta”, informa o relatório aprovado na semana passada.

Atualmente, por não estar especificado no Código Penal, o superfaturamento é punido somente por meio de outros crimes, como corrupção, peculato ou fraude à licitação –que são mais amplos e, por vezes, têm penas menos severas. 

Um tipo específico abarcaria as técnicas típicas do superfaturamento, como alteração de cláusulas contratuais e superdimensionamento da obra, e elevaria a possibilidade de responsabilização pelo problema.

A prévia do relatório, à qual a Folha teve acesso, também recomenda a reforma da lei de licitações brasileira, a fim de tornar o processo de contratação mais eficiente, e a adoção de uma lei abrangente e robusta para incentivar e proteger denúncias de corrupção entre servidores. 

A avaliação faz parte da implementação da Convenção Interamericana contra a Corrupção, da qual o Brasil é signatário. A última vez que o país havia sido avaliado foi em 2012.

Nesse período, os condenados no julgamento do mensalão foram à prisão, a Operação Lava Jato se desenrolou e milhares de pessoas foram às ruas protestar contra a corrupção.

O relatório elogia as conquistas do país, em especial a edição de leis que responsabilizam empresas por atos contra a administração pública e ampliam os recursos de investigação da polícia e do Ministério Público –como a lei que implementou a delação premiada. As regras passaram a valer em 2013.

Em contrapartida, porém, a OEA recomenda avanços no compartilhamento de informações sigilosas com os órgãos de controle, para facilitar investigações, além de uma compilação anual dos casos de corrupção em trâmite no Judiciário. O alto número de cargos em comissão no poder Legislativo também é criticado.
O documento foi elaborado por um grupo de peritos em combate à corrupção, que fizeram uma visita técnica ao Brasil, em outubro passado. Eles falaram com representantes do governo, do setor privado, da academia e de órgãos de investigação.

Na reunião que votou e aprovou o relatório, em Washington, a tipificação do crime de superfaturamento foi defendida pelo representante do Ministério Público Federal brasileiro, o procurador da República Marcelo Ribeiro Oliveira. 

“Um tipo mais específico não deixaria ‘zonas cinzentas’ na aplicação da lei”, disse.

Diretor de cooperação internacional do Ministério da Transparência, o advogado Renato Capanema considerou a avaliação positiva. “Os países americanos já veem o Brasil como referência no combate à corrupção”, afirmou à Folha

Para ele, a criação de proteções e garantias a servidores que queiram denunciar malfeitos dentro do governo é a recomendação mais importante do relatório.

“Hoje, não existe incentivo para denunciar; o que existe é medo”, disse. Capanema defende a criação de uma lei que proteja o denunciante, a fim de estimular a identificação e correção de irregularidades no poder público.

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