Será que João Doria vai faltar com a palavra de novo?, diz Márcio França

Pré-candidato a governador, vice de Alckmin diz que prefeito trai eleitor ao deixar mandato

Joelmir Tavares
São Paulo

Márcio França (PSB) sorria nesta segunda-feira (19) ao receber a Folha em seu gabinete. O motivo: Geraldo Alckmin (PSDB) ter dito que deixaria o governo do estado nas mãos "firmes, experientes e honradas" de seu atual vice.

O vice-governador Márcio França (PSB) aponta para bandeira do estado de São Paulo em seu gabinete durante entrevista
O vice-governador Márcio França (PSB), durante entrevista em seu gabinete no Palácio dos Bandeirantes - Avener Prado/Folhapress

Prestes a assumir o cargo de governador —que o tucano deixa no próximo dia 6 para concorrer à Presidência da República—, França quer tentar a reeleição e afirma que o prefeito João Doria (PSDB), seu provável adversário, não tem palavra.

Ele diz ainda que sua gestão será de continuidade e que fará políticas para jovens.

 

Folha - Como recebeu a afirmação de Doria de que o sr. se alinhou à extrema esquerda por buscar alianças com siglas como PC do B e PDT?

Márcio França - É uma visão atrasada, meio do passado. Isso é meio infantil. Ele acha que vai polarizar de novo entre PT e PSDB, como se eu fosse PT, né? O Doria é um sujeito inteligente, que percebe que essa será a polarização, e vai tentar uma repetição do que fez com o [petista Fernando] Haddad. O momento é de conciliação. Essa é a minha cara, convivo do PT ao PSDB.

O problema do Doria é a falta de palavra, e essa é uma coisa grave na política. A palavra é o nosso único instrumento de conversa. E ele deu a palavra para os paulistanos de que cumpriria quatro anos de mandato. A mim passa a sensação: será que ele está falando a verdade ou ele vai faltar com a palavra de novo?

Mas esse discurso pode encontrar apoiadores neste momento de polarização.

Eu não sei, difícil falar.

A ligação com a esquerda não seria baseada na relação histórica de seu partido, o PSB, com o PT no plano nacional?

Não sei a estratégia dele [Doria]. Tudo que ele falar, eu vou sempre repetir: a ideia pode ser boa, mas ele não tem palavra. Como vou acreditar?

Nunca apoiei o PT em São Paulo. Ah, acho que apoiei uma vez uma candidatura. Não tenho nada contra o PT como instituição nem contra o PSDB. Tenho amigos em ambos.

O sr. então rejeita o rótulo de extrema esquerda?

Claro. Sou de centro-esquerda. O debate verdadeiro é a sinceridade e a lealdade contra a mentira e a deslealdade.

O sr., que apoiou a campanha de Doria, se sente traído?

Claro, claro. Me sinto traído quando me coloco no lugar do eleitor paulistano.

Esse deve ser o tom do sr. na eleição para governador?

Não sou eu, a população vai cobrar dele. Vão perguntar: você já me enganou uma vez, vai enganar outra?

Como o sr. vai enfrentar nas urnas a força de Doria e do PSDB, partido que governa o estado há mais de 20 anos?

A humildade contra esse estilo. Nós [eu e Doria] somos antagônicos. O meu estilo não tem nada a ver com o dele.

Tenho origem na atividade política, venho do movimento estudantil. Ele é um empresário cedido para a política e estaria indo muito bem se cumprisse o que combinou com o povo de São Paulo.

Humildade basta para vencer?

É importante. A maioria da população não vive desse tipo de comportamento. O brasileiro, de maneira geral, é de cumprir palavra.

Acredita que Doria descarta a chance de se colocar como nome do PSDB à Presidência?

Para quem não tem palavra, daí para a frente todo o resto está comprometido.

Como vê a situação de Lula? Acha que ele foi vítima de um processo injusto, como diz?

Eu não ficaria nunca feliz com a prisão de qualquer cidadão ou de um ex-presidente. Convivi com Lula muito tempo, ele sempre foi um líder muito carismático. Passa uma sensação de a população ficar cada vez mais frustrada com a política. Eu diria que, se eu pudesse optar, eu preferia que nenhum político tivesse que ter essa situação, e muito menos o presidente Lula ou qualquer outro presidente. O procedimento [envolvendo o petista] contou com um longo processo judicial. Eu imagino que tenha provas suficientes para essas decisões que estão tomando.

Como será o governo do sr.?

Naturalmente, não é um governo meu, é de continuidade ao governo Alckmin. Sei que o processo de escolha [do eleitor] foi feito muito mais por ele do que por mim. As marcas do governo dele, que são a estabilidade financeira, a responsabilidade fiscal, vão continuar. E ele se sente seguro comigo em relação a isso.

Mas vai ter marcas sociais, porque temos uma formação diferente. Por exemplo, implementar o alistamento civil, em que jovens de 18 anos farão um treinamento sobre temas como primeiros socorros e trânsito e vão atuar na rua, como orientadores. Também quero incrementar a Univesp [Universidade Virtual de São Paulo]. Muita coisa para jovem.

Opositores dizem que o sr. usará esse período para fazer campanha, instrumentalizando o governo para se reeleger.

Não tem esse risco. O estado de São Paulo é completamente institucional.

O sr. vai mexer no secretariado para acomodar algum dos seis partidos que entraram na aliança da sua campanha?

Nenhum dos partidos me pediu isso. Naturalmente, vários secretários vão sair mesmo, ou porque vão trabalhar para o candidato do PSDB ou porque serão candidatos a deputado. Dos secretários com quem eu falo aqui, ninguém vai apoiar o Doria.

Como funcionará na prática o palanque duplo para Alckmin? O sr. estará ao lado de Doria?

Não tenho nada contra o Doria, pelo contrário, é meu amigo. Hoje em dia não tem mais comício, o palanque é eletrônico. Convidei o governador para vir a todas as inaugurações de obras dele enquanto for permitido. Temos uma relação de confiança.

O sr. e Doria podem fechar algum tipo de pacto, uma política de não agressão?

Não terá agressão. Acabei de fazer campanha para ele há dois anos. Vai ser uma coisa de "o forte, o rico, o poderoso" [Doria]. E eu, o menino de São Vicente. Vamos ver no que vai dar.

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