Michel Temer (MDB) reclamou do papel de vice decorativo em 2015, num ato que acabou marcando sua passagem pelo cargo. Dali a cinco meses ele assumiria a Presidência.
Márcio França (PSB) diz que dividir o governo paulista com Geraldo Alckmin (PSDB) é uma delícia porque o tucano mantém as contas em dia.
Bruno Covas (PSDB) fala que seu sonho desde menino sempre foi ser prefeito da capital, posto hoje ocupado pelo colega de partido João Doria —e que ele logo herdará.
Em alguns dias, com as anunciadas renúncias de Alckmin (para disputar a eleição presidencial) e de Doria (para concorrer a governador), os paulistanos viverão a experiência de ter os outrora vices mandando nas três esferas do Poder Executivo.
Além do aspecto inusitado, o cenário previsto a partir de 7 de abril —quando termina o prazo de desincompatibilização para quem vai disputar a eleição— é, sob os olhos da ciência política, reflexo de um sistema baseado no cálculo eleitoral, em cargos usados como trampolim para posições mais altas.
No caso de Temer, presidente desde maio de 2016 após Dilma Rousseff (PT) sofrer impeachment, a ascensão sinaliza outro aspecto: a frequência com que vices são escolhidos levando em conta a conveniência de alianças partidárias, a governabilidade e a soma do tempo de TV na campanha. O PT renega o antigo parceiro e diz que ele traiu o programa de governo de Dilma.
“A escolha do vice reflete uma distorção porque geralmente ele não é uma pessoa integrada à chapa, que fica muito mais associada a quem tem o cargo mais importante”, diz o cientista político José Álvaro Moisés, da USP.
Para o professor, os partidos deveriam dar relevância à seleção do número dois, inclusive com mais visibilidade durante a campanha, mas também cabe aos eleitores a responsabilidade de prestar atenção a quem poderá substituir os titulares em caso de afastamento ou morte.
Prestes a virar governador, França fala sem constrangimentos de sua taxa de desconhecimento. Ele, que tentará a reeleição, costuma dizer que 7% dos paulistas sabem quem é ele, segundo pesquisas internas. Com 3% no Datafolha, ele espera ganhar popularidade ao assumir o governo.
“São Paulo hoje é um estado onde ser vice e assumir é uma delícia, porque você assume com recurso.” Ele diz que Alckmin o escolheu como sucessor em 2014, quando o convidou para sua chapa, já imaginando a possibilidade de sair antes do fim do mandato.
O discurso é exemplo de como a renúncia com finalidade eleitoral é tratada com naturalidade —o que é um problema, na opinião de Marco Antonio Teixeira, professor de gestão pública da FGV.
“É uma ambição política tão grande que as pessoas não terminam o mandato. Mandato é para cumprir”, diz ele, que defende a criação de regra para impedir o abandono precoce do cargo pelos políticos.
Doria deixará a prefeitura com 15 meses de governo, o que desperta críticas. Algumas das mais duras vêm de França, provável rival nas urnas. Em sua defesa, Doria comparou a saída a uma separação no casamento. “Há circunstâncias que se impõem na vida que não estão no seu controle”, disse, advogando que não se pode condenar o ex-cônjuge nem estigmatizá-lo como traidor ou traidora.
Na avaliação de Moisés, o movimento que permitirá a Bruno Covas virar prefeito tem o lado positivo de projetar uma liderança nova. “Se fizer uma boa gestão e quebrar aquela imagem de arrogância do Doria, poderá ser beneficiado.”
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