Ascensão de Doria gera debandada e traz perfil empresarial ao PSDB

Críticos apontam abandono de bandeiras tradicionais; aliados pregam 'banho de inovação'

Thais Bilenky
São Paulo

Além de gerar desfiliações simbólicas, a ascensão de João Doria confere um novo estilo ao PSDB paulista, que dispensa gravata, tem como lema a palavra gestão e passa longe do ambiente acadêmico familiar a seus fundadores.

A candidatura do prefeito paulistano ao governo do estado, contrariando o desejo inclusive de seu padrinho político, Geraldo Alckmin (PSDB), evidenciou mais uma vez o choque de repertório em curso no interior do partido.

Ainda em 2016, na estreia eleitoral de Doria, as prévias municipais resultaram na desfiliação de Andrea Matarazzo após 25 anos de PSDB. No ano seguinte, Léo Coutinho, sobrinho-neto de um de seus fundadores, André Franco Montoro, saiu do partido.

Há um mês, foi a vez de Mario Covas Neto, filho de um dos ícones da legenda, o ex-governador Mário Covas.

Agora, na Assembleia Legislativa de São Paulo, quatro deputados estaduais, João Caramez, Roberto Engler, Coronel Telhada e Barros Munhoz, comunicaram que estão de mudança. Um quinto, Carlos Bezerra Jr., crítico contundente de Doria, estuda seguir novos rumos, segundo aliados.

"É um erro profundamente lastimável a candidatura de Doria", disse Munhoz, líder do governo e ex-presidente da Casa. "O PSDB tinha de ter a humildade de apoiar o candidato do PSB, Márcio França, que foi um companheiro leal do governador e fez toda a articulação da eleição de Doria em 2016", afirmou o deputado, que se filiará à sigla do vice-governador.

França e Doria deverão se enfrentar na eleição para a sucessão de Alckmin. O PSDB na Assembleia ameaça fazer oposição ao vice, que assumirá na sexta-feira (6) o Palácio dos Bandeirantes com a desincompatibilização do titular para disputar o Planalto.

O líder tucano na Casa, Marco Vinholi, disse que a candidatura de Doria trará, em compensação, novas filiações como a de Gilmar Gimenes (sem partido).

"O PSDB que vem avançando é esse PSDB moderno, que visa uma política nova. Tem todo um legado tucano aliado a essa modernidade que o João Doria traz", disse Vinholi.

Para Munhoz, "o PSDB nunca foi um partido fomentador de novas lideranças. Doria ocupou um vazio".

A discrição que o senador José Serra, citado na Lava Jato e com queixas de saúde, passou a adotar é apontada como um dos fatores para a mudança no perfil do partido. Aliados seus como Arnaldo Madeira e Alberto Goldman encabeçam a lista dos críticos a Doria.

Ex-deputado federal e fundador do PSDB, Madeira, 78, disse que nem Alckmin, presidente do diretório nacional, "manda mais". "O partido está na mão do Doria, quem manda é o Doria."

"O PSDB, como foi fundado, não existe mais. Não é mais um partido com a vocação para a modernidade, da busca da eficiência, da distribuição de renda. Isso acabou. É um partido simplesmente oportunista, que quer ganhar a eleição e provavelmente terá na próxima a maior derrota de sua história", afirmou.

Para Léo Coutinho, no novo PSDB, "não entenderam o conceito da transferência de renda. Nem de reforma agrária. Nem da privatização".

O prefeito de São Paulo, João Doria, discursa após vencer prévias do PSDB para disputar o governo do estado
O prefeito de São Paulo, João Doria, discursa após vencer prévias do PSDB para disputar o governo do estado - Juca Rodrigues - 18.mar.18/Fotoarena/Folhapress

MANGAS ARREGAÇADAS

As prévias estaduais, realizadas em março, mostraram em números a nova organização do PSDB de São Paulo. 

Do total de filiados que votaram, 80% escolheram Doria como candidato a governador. Outros 6,6% queriam Luiz Felipe d'Avila, cientista político e genro de Abilio Diniz, que entrou há meses na rotina partidária tucana depois de consolidar a carreira na iniciativa privada. 

O evento no diretório depois da apuração estampou a nova imagem do PSDB. 

Dezenas de filiados em seus 20, 30 ou 40 anos, muitos deles em boa forma, vestindo calça jeans e camisa bem ajustadas ao corpo e com as mangas dobradas, sem gravata, comemoraram o resultado com as marca de Doria, "Acelera" e o hino da vitória de Ayrton Senna. 

O vice-prefeito Bruno Covas, 37, e o presidente da Assembleia, Cauê Macris, 34, lideram essa turma.

"Temos de trabalhar para atrair capital externo, criar novos mercados, dar um banho de inovação e competitividade", resumiu Macris. "Doria simboliza para a nova geração tudo o que é modernidade, o que a gente espera de uma gestão pública."

Na academia, expoentes como José Arthur Gianotti passaram de colaboradores do PSDB a seus ferrenhos críticos. As referências da nova geração estão no empresariado, de onde vem Doria. 

"A gente não tem de rejeitar essas pessoas [intelectuais], ao contrário. Mas é preciso discutir de maneira concreta o que acontece na prática. O privado, nesse momento, precisa trabalhar com o público", concluiu o presidente da Assembleia.

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