Há uma certa rotina no fato do STF (Supremo Tribunal Federal) e seus ministros serem protagonistas em criar incertezas no cenário político. Essa incerteza pode ser fruto de manifestações inusitadas de ministros na mídia, bem como por mudanças, inconsistências e incoerências nas decisões produzidas pelo tribunal; sobretudo a respeito da investigação, processamento e eventual prisão de políticos.
Tudo isso ocorre com implicações diretas para o destino do ex-presidente Lula: geram dúvidas sobre sua liberdade e capacidade de concorrer nas eleições de 2018.
Dessa vez a dúvida se refere ao que pode ou não ser investigado e julgado pela equipe da Lava Jato. A maioria da Segunda Turma do STF enviou parte do conteúdo da delação da Odebrecht que trata do sítio em Atibaia e de um terreno para o Instituto Lula para a Justiça de São Paulo. Com isso, tais casos não poderiam ser mais investigados e julgados pela equipe da Justiça Federal em Curitiba; pelo menos a princípio (já que a decisão declara que pode ser revertida em futuro próximo).
A decisão é antes de mais nada inusitada porque foi tomada depois de a Segunda Turma ter negado esse pedido quatro vezes nesse mesmo processo ao longo do último ano.
Porém a maior surpresa está em como a turma justifica essa decisão. Seguindo o voto de Dias Toffoli, a maioria decidiu que esses casos somente poderiam ser julgados no âmbito da Lava Jato se houvesse prova e demonstração de que a Odebrecht teria sido beneficiada por meio de contratação ilegal com a Petrobras.
Essa justificativa é surpreendente porque amplia as razões da defesa de Lula para alegar a nulidade da sua condenação pelo tríplex no Guarujá. A tese da defesa é, desde sempre, de que não havia prova ou demonstração de que o apartamento tivesse sido uma contraprestação por benefício ligado à influência de Lula sobre a Petrobras. Até então o Supremo chancelava a ideia de que esse tipo de prova não era necessário.
De fato, a condenação do ex-presidente não faz qualquer especificação de vantagem da OAS perante a Petrobras. Bastaria a construção de uma narrativa consistente, ou seja, que se narrasse uma história em que fizesse sentido que o apartamento foi dado por conta de benefício em contratação com a Petrobras. Tanto a sentença do juiz Moro quanto sua confirmação pelo TRF-4 (Tribunal Regional Federal da 4ª Região) partiram dessa premissa.
Caso o Supremo aplique o entendimento da maioria da Segunda Turma a um recurso de Lula contra a condenação pelo caso do tríplex, isso poderia levar à anulação do processo, revogando a prisão e os efeitos da Lei da Ficha Limpa, ou seja, como se a condenação nunca tivesse existido.
Porém não há porque pensar que o Supremo aplicaria essa decisão a um recurso do ex-presidente. Hoje é amplamente sabido que os ministros não levam seus próprios precedentes com tanta gravidade e que vigora um comportamento estratégico em sua relação. Isso significa que se o ministro Fachin não quiser ser vencido na Segunda Turma —nesse ou em qualquer outro caso— ele pode simplesmente remeter o processo ao plenário, onde conta com a maioria dos ministros para dar suporte à Lava Jato.
O resumo de todo esse desenrolar é que a decisão pode criar uma grande movimentação, com baixa probabilidade de modificar o cenário posto. Essa é uma história em que não há nada a se comemorar: aumenta-se o desgaste entre os ministros, aumenta-se a percepção da politização do STF e o Judiciário mantém sua intervenção na política com baixa autoridade.
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