Gilmar Mendes critica mídia e cita reportagem da Folha sobre juízes

Ministro do STF disse que é preciso acabar com feriados do Judiciário, mas não por 'chantagem'

São Paulo

Durante seu voto na sessão que julga o habeas corpus preventivo do ex-presidente Lula, o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes citou reportagem da Folha para criticar a atuação do que chamou de “mídia opressiva e, de uma certa forma, chantagista”.

“Já vi quase de tudo. Nunca vi uma mídia tão opressiva como aquela que se tem feito nesses anos”, disse Gilmar. 

Ele mencionou a reportagem publicada no último domingo (1) que mostrou que os ministros do Supremo têm 88 folgas ao ano além dos fins de semana como uma forma de “chantagem”.

“A matéria da Folha de domingo, dizendo que nós temos 88 dias de férias —essa matéria já deveria ter sido publicada. E eu concordo: nós temos que acabar com os feriados do Judiciário. Temos que realmente acabar com as férias em dobro do Judiciário. Mas não mediante chantagem, [mas] como reflexão clara nossa”, disse o ministro.

 

“É como se dissesse: se vocês se comportassem, a gente não publicaria isso. Num regime democrático, isso não se pode fazer”, completou.

A reportagem mostra que um conjunto de regras editadas durante e entre as ditaduras do Estado Novo (1937-1945) e militar (1964-1985) permite aos ministros da corte 88 dias de descanso ao ano, além dos sábados e domingos — norma que se estende a todos os magistrados.  

O adiamento por 13 dias da análise do caso do ex-presidente Lula pelo STF, até esta quarta (4), reacendeu o debate sobre a discrepância entre o calendário de trabalho do Judiciário e o da população.

Os ministros e demais juízes do país têm direito a 60 dias de férias ao ano. No caso do Supremo, elas acontecem em janeiro e julho. Para cada um desses períodos, os 11 ministros recebem duas vezes o adicional de um terço do salário (R$ 11.254, para um salário de R$ 33.763), totalizando R$ 22,5 mil ao ano.

Gilmar criticou ainda o jornal O Globo e o Jornal Nacional, da TV Globo, que, segundo ele, havia feito, na véspera, “um festival querendo provar” sua incoerência sobre a questão discutida nesta quarta. “Vocês verão que não tem incoerência nenhuma, senão responsabilidade institucional com o país”, disse.

O ministro, que votou, em 2016, a favor da permissão para prisão após condenação em segunda instância, deu seu voto, nesta quarta (4), em favor da concessão do habeas corpus ao ex-presidente Lula, condenado pelo TRF-4 por corrupção e lavagem de dinheiro.

Ele citou uma matéria do jornal O Globo sobre o episódio em que foi hostilizado em Lisboa por duas brasileiras para dizer que a mídia “estimula esse tipo de ataque”. “O Globo publicou a seguinte chamada: ‘Vejam o que duas senhoras fizeram ao encontrar o ministro Gilmar Mendes nas ruas de Lisboa. O que você faria?’”, citou.

“É esse o tipo de mídia opressiva que nós desenvolvemos. E é preciso dizer não a isso”, afirmou, elevando o tom de voz. “Se nós tivermos que decidir causas como essas porque a mídia quer esse ou aquele resultado, é melhor nos demitirmos e irmos para casa.”

INTOLERÂNCIA

Gilmar também disse que o quadro de intolerância visto hoje no Brasil se deve, em grande parte, ao Partido dos Trabalhadores. 

“Nós devemos muito desse quadro hoje de intolerância do país à prática que o PT desenvolveu, ao longo dos anos, de intolerância, de ataque às pessoas”, afirmou, lembrando uma declaração dada em 2000 pelo então presidente do PT, José Dirceu, de que o então governador de SP, Mário Covas (PSDB), deveria apanhar “nas ruas e nas urnas”.

“Esse tipo de intolerância... gestou-se esse germe ruim da violência”, disse. “O PT tem uma grande chance nesse momento, em que ele se encontra com a realidade, de fazer um pedido de desculpas público por esse tipo de ataque”, afirmou.

NOTA DE REPÚDIO

Em nota, a ABI (Associação Brasileira de Imprensa) criticou as declarações de Gilmar Mendes.

"A Associação Brasileira de Imprensa repele a acusação infamante de chantagem e intimidação que o Ministro Gilmar Mendes lançou sobre os jornais O Globo, Folha de S.Paulo e Rede Globo, durante a sessão do Supremo Tribunal Federal que julgou o habeas corpus do ex-presidente Luíz Inácio Lula da Silva. O mínimo que se pode exigir de um membro do STF é que ele tenha recato de linguagem, coerência de princípios, clareza de exposição e equilíbrio emocional. O STF não pode agasalhar comportamentos histriônicos, incompatíveis com o Estado Democrático de Direito. A ABI não reconhece também no Ministro Gilmar Mendes autoridade moral para dar lições de jornalismo à imprensa brasileira. Os ataques à sua pessoa não podem ser creditados exclusivamete aos veículos de comunicação. A raiz dessas ofensas, talvez esteja nas suas constantes manifestações pouco ortodoxas que tanto alimentam o chamado “sentimento das ruas”. Elas acabam sempre despertando ódios e paixões por onde Sua Excelência caminha, sem a proteção da toga, quando se apresenta como um cidadão comum", afirmou  Domingos Meirelles, presidente da ABI. 

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