Grupos de WhatsApp foram principal meio de mobilização para atos contra caravana de Lula no Sul

Agricultores e militantes pró-Bolsonaro dispensaram grupos como o MBL e se organizaram de forma orgânica

Ana Luiza Albuquerque
Oeste do Paraná e Santa Catarina

"Pela família, decência, moral e ética... São Miguel do Iguaçu é #Bolsonaro”, anuncia um outdoor na entrada da cidade do interior do Paraná. Foi ali, na BR-277, que na última segunda-feira (26) manifestantes atiraram pedras e ovos contra um ônibus de uma empresa privada, acreditando que ele fizesse parte da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

Assim como em outros municípios pequenos que se prepararam para a chegada de Lula, a mobilização se deu por meio das mídias sociais e do boca a boca. Nos ataques à caravana, desenhou-se secundária a atuação de grupos que passaram a dominar as ruas na esteira do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), como o MBL (Movimento Brasil Livre) e o VPR (Vem Pra Rua). Dessa vez, tiveram importante papel a militância “bolsonariana”, empresários locais e agricultores.

O outdoor com a imagem de Bolsonaro fica em frente a uma tradicional empresa de transportes de São Miguel. Há 60 dias, o dono, Derli Azevedo, 58, preferiu usar o espaço para apoiar o presidenciável a divulgar seus serviços. “Minha empresa está fechando... O país quebrou, meu amigo”, diz.

Segundo Azevedo, o ato não teve líderes e a ideia circulou em grupos de WhatsApp da cidade, como um pró-Bolsonaro, que conta com mais de 300 pessoas. “Nossa manifestação foi [a partir de] uma conversa de bar, todos revoltados. É o povo do sul, que trabalha, gera emprego. Tinha colono que eu nunca vi na vida. Até padre tinha no protesto, não sei de onde brotou esse povo.”

Presidente do Patriota (partido com o qual Bolsonaro negociou filiação, antes de migrar para o PSL) de São Miguel do Iguaçu, o empresário diz ser considerado um “cara quadrado”. “Meu sonho é militar tomar conta dessa porra aqui, que vagabundo vai ter que trabalhar. Isso não é justo, cara. Meu amigo, você não trabalha, você não come.”

Quando questionado sobre o que os manifestantes gostariam de fazer com o ex-presidente, ele abaixa o tom. “Foi um protesto. Se alguém jogou uma pedra no ônibus, foi contra a vontade [da organização], isso não se faz.”

Outdoor em apoio ao pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro na entrada de São Miguel do Iguaçu (PR) com a frase “Pela família, decência, moral e ética... São Miguel do Iguaçu é #Bolsonaro”
Outdoor em apoio ao pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro na entrada de São Miguel do Iguaçu (PR) - Eron Zeni/Folhapress

O empresário se diz fã de Bolsonaro, mas nega que o deputado federal seja “o” cara. Ele afirma acreditar que o presidenciável fala o que o povo quer ouvir. “Está dando aquele suporte de segurança para aquele fazendeiro que está sendo ameaçado, que está com medo de perder suas terras para os índios. Então o que o Bolsonaro faz? Índio vai para o mato, é o lugar dele.”

Em corrente que circulou nos grupos online da região, organizadores pediram tratores para bloquear a passagem da caravana. “Quem puder levar tratores para um tratoraço!!! (...) Compartilhe nos grupos do watts [sic].”

De São Miguel, a reportagem seguiu para Santa Cruz do Ocoy, vila agrícola a cerca de 15 quilômetros dali. Um colono que não quis ser identificado diz que foi convidado para o protesto por outro agricultor. “Olha o que estamos sofrendo aí na agricultura, olha o preço do combustível. Ainda mais o Lula chamando a gente de mercenário, mau pagador de dívida.” Ainda na perna gaúcha da caravana, o petista chamara os grandes fazendeiros de caloteiros.

Durante a conversa, o agricultor diz: “Vem mais bomba aí”. E mostra à Folha uma corrente compartilhada no grupo de WhatsApp “Juntos por São Miguel”. O boato, atribuído falsamente a um veículo de jornalismo profissional, diz que a Petrobras, em decorrência da Lava Jato, seria processada por 16 países e teria que pagar R$ 1,5 trilhão em indenizações.

Segundo a notícia falsa, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (PSDB) e o presidente Michel Temer (MDB) estariam ameaçando o juiz Sergio Moro por meio da Abin (Agência Brasileira de Inteligência). “O senhor tem certeza de que isso é verdade?”, questiona a reportagem. “Não sei, mas é a mesma coisa do que você estar aqui.”

OVADA

Em Céu Azul (PR), cidade de cerca de 12 mil habitantes, o estudante de direito Sidnei Ferreira, 36, foi um dos organizadores de uma ovada que nunca aconteceu. Contrariando as expectativas dos manifestantes, a caravana de Lula também não passou por ali.

O estudante de direito Sidnei Ferreira, 36, que apoia Jair Bolsonaro e ajudou a mobilizar atos contra Lula no Sul
O estudante de direito Sidnei Ferreira, 36, que apoia Jair Bolsonaro e ajudou a mobilizar atos contra Lula no Sul - Eron Zeni/Folhapress

Eles esperavam que o petista deixasse Foz do Iguaçu de ônibus, passando por Céu Azul para chegar a Quedas do Iguaçu, onde discursou. 

O ex-presidente, no entanto, foi de avião até Pato Branco, município próximo ao destino. Depois, a caravana seguiu para Laranjeiras do Sul. Foi nesse trajeto que ônibus foram atingidos por tiros. A Polícia Civil abriu um inquérito para apurar o ataque.

Ferreira é coordenador do MBCA (Movimento Bolsonaro de Céu Azul), que, segundo ele, conta com 1.500 adeptos. O estudante afirma que todas as cidades próximas têm seu grupo de apoio ao presidenciável. Ele conta que conseguiu 720 ovos por meio de doações de avicultores da região e que a mobilização ocorreu, a exemplo do que se deu nas outras cidades, por meio de aplicativos de celular.

Segundo o estudante, a cidade de Medianeira, a cerca de 35 quilômetros dali, também preparou seu protesto. “Tratores, esterqueira, gente com pedra, gente bebendo. Lá foi bom que [a caravana] não foi. Jogar ovo até passa.”

MOVIMENTOS

O Movimento Brasil Livre e o Vem Pra Rua tiveram papel importante nos atos em Francisco Beltrão (PR), mas, ainda assim, dividiram a organização com “bolsonarianos” e empresários locais.  “Ficou definido que a gente não iria fazer ovada ou barreira”, relata o coordenador do MBL na cidade, Bruno Savarro, 18.

Segundo ele, o bloqueio na estrada, que atrasou a chegada de Lula a Beltrão, foi iniciativa de um grupo de empresários. O estudante afirma que a mobilização, financiada pelos empresários e por uma vaquinha, lotou três grupos no WhatsApp —que comportam 256 pessoas cada um. Ele também diz que, se não fosse pelos “bolsonarianos”, o evento teria sido muito menor.

Em São Miguel do Oeste (SC), a 120 quilômetros, o MBL teve participação reduzida no protesto. Foi ali que, do alto de prédios, pessoas jogaram ovos em direção ao ex-presidente, que discursava em uma praça. A manifestação também foi encabeçada por militantes pró-Bolsonaro e viralizada pelo celular.

O empresário Jungles Wegher, 29, foi um dos coordenadores do ato, mas afirma que a ovada foi espontânea. Perto de onde conversava com a Folha, estava um outdoor com a foto de Bolsonaro, pago em agosto de 2017 com uma vaquinha.

Segundo ele, os ataques com pedras na chegada da caravana foram feitos por pessoas que não são da cidade. “Não foi organizado por nós, fomos para receber. [Pessoas de outras cidades] avisam pelo WhatsApp a hora que a caravana sai e calculamos o trajeto.”

Mas por que a ovada? O empresário relembra o episódio em que o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB), foi alvo de ovos em visita à Bahia, em agosto de 2017. “O Lula parabenizou os manifestantes. Isso foi um símbolo, uma revolta pelo que ele falou.” A Folha não encontrou reações do ex-presidente ao episódio.

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