Descrição de chapéu

Interrupções da fala de Rosa Weber explicitam recorrência da 'explicação masculina'

Ministra foi interrompida ao menos três vezes pelos colegas durante seu voto contra o HC de Lula

Giuliana Vallone
São Paulo

Fosse feito glossário da sessão do Supremo Tribunal Federal que decidiu o futuro do ex-presidente Lula, ele precisaria conter, além de termos como  “ações declaratórias de constitucionalidade” e “data venia”, um que nada tem a ver com o meio jurídico: o conceito de “mansplaining”. 

Explica o dicionário americano Merriam-Webster: “É o que ocorre quando um homem fala de forma condescendente com alguém (especialmente uma mulher), assumindo incorretamente que ele sabe mais sobre algo do que sua interlocutora”. 

Dona do voto visto como decisivo na sessão desta quarta (4), a ministra Rosa Weber decidiu negar o pedido de habeas corpus de Lula. Ela argumentou que, ainda que seja contra a prisão antes do julgamento de todos os recursos, a jurisprudência atual da corte autoriza a detenção após condenação em segunda instância. 

Cometeu o erro grave de discordar dos ministros Marco Aurélio Mello e Ricardo Lewandowski, e logo foi interrompida por eles, que decidiram explicar a Rosa que essa não era a melhor decisão a se tomar. “Não, querida, você não está sendo coerente, deixe-me explicar a você”, isso era o que eles gostariam de ter dito. 

Busca no Google por 'ministras supremo' sugere que a pesquisa seja feita no masculino
Busca no Google por 'ministras supremo' sugere que a pesquisa seja feita no masculino - Reprodução

“Rosa, Vossa Excelência me permite um aparte?”, disse Marco Aurélio. “Pois não, ministro Marco Aurélio, com muito gosto”, respondeu Rosa, com expressão de quem já sabe o que vem pela frente. 

“Se a apreciação dos pedidos formulados nas [ações] declaratórias de constitucionalidade fosse hoje, haveria maioria para deferir a liminar, ante a evolução do ministro Gilmar Mendes”, afirmou ele. 

Antes de conseguir responder-lhe adequadamente, a ministra também precisou se explicar a Lewandowski, que, irritado, defendeu que, considerando a posição de Rosa, “a corte não pode evoluir jamais”.

Cármen Lúcia, presidente do STF, saiu em defesa da colega. “Ministro, a ministra Rosa Weber justificou muito bem, exatamente dentro da opinião dela, então acho que há de se respeitar.” Foi, entretanto, também interrompida por Lewandowski, que argumentou que, no colegiado do Supremo, a troca de ideias é cabível. 

“Com muito prazer. Mas tem um detalhe: eu estabeleci premissas teóricas”, disse Rosa, antes de ser interrompida novamente (a essa altura, pela terceira vez). 

E então, veio a cereja do bolo. “No início, eu confesso que não sabia a natureza de seu voto. E eu tenho alguma experiência no colegiado”, afirmou Marco Aurélio. 

“Quem me acompanha nesses 42 anos de magistratura não poderia ter a menor dúvida com relação ao meu voto, porque eu tenho critérios e procuro manter a coerência das minhas decisões”, respondeu a ministra, que, ao retomar seu voto, já nem conseguia mais lembrar onde havia parado. 

E antes que se diga que o debate de ideias faz parte das sessões do plenário do STF, lembremos que ministros como Luís Roberto Barroso e o decano Celso de Mello conseguiram proferir seus votos por quase duas horas sem interrupções significativas. 

Mas Cármen e Rosa, duas das únicas três mulheres a ocuparem uma cadeira no Supremo em toda a história da corte (Ellen Gracie, aposentada em 2011, foi ministra por 11 anos) já são pós-graduadas em “mansplaining”. 

No ano passado, a presidente do STF interrompeu uma sessão para falar sobre o desequilíbrio nas relações de gênero no tribunal. Ela citou estudo feito por Tonja Jacobi e Dylan Scheweers, dois pesquisadores da Escola de Direito da Northwestern University, nos EUA. 

Eles analisaram transcrições de sustentações orais na Suprema Corte americana ao longo de anos e concluíram que integrantes do sexo masculino interrompem mulheres três vezes mais do que homens. 

O levantamento mostra que, apesar de as ministras falarem menos e usarem menos palavras do que os ministros, são interrompidas durante a fase de sustentação oral de forma significativamente maior. 

Em 2015, quando havia três mulheres entre os magistrados da corte suprema dos EUA, 65% das interrupções foram dirigidas a elas. 

Diante dos dados, Cármen concluiu: “E a ministra Sotomayor [da Suprema Corte americana] me perguntou: como é lá [no Brasil]? Lá, em geral, eu e a ministra Rosa, não nos deixam falar, então nós não somos interrompidas”.

GIULIANA VALLONE é secretária-assistente de Redação da Folha

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