Descrição de chapéu stf

Juízas acusam associação de machismo

Magistradas deixam entidade nacional com argumento de que encontro científico não convidou mulheres

Frederico Vasconcelos
São Paulo

​Um grupo de juízas obrigou a AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros), maior entidade de classe da magistratura, a tratar publicamente do machismo no Judiciário, tema que os tribunais evitam discutir.

As juízas Geilza Diniz, Rejane Jungbluth Suxberg e Carla Patrícia Lopes, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), pediram desfiliação da AMB no último dia 3. Elas se dizem inconformadas com a ausência de magistradas entre os conferencistas do 23º Congresso Brasileiro de Magistrados, que acontece em maio.

Até sexta-feira mais 30 juízas, de vários estados, haviam acompanhado as colegas e deixado a instituição.

Dos 28 palestrantes citados na programação do evento, há apenas duas mulheres, e elas não são magistradas: a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e a senadora Ana Amélia (PP-RS).

As juízas Geilza Diniz e Ana Cláudia Barreto, de braços cruzados ao lado de um quadro da Musa da Justiça.
As juízas Geilza Diniz (E) e Ana Cláudia Barreto (D), que se desfiliaram da AMB (Associação dos Magistrados Brasileiros) em protesto contra a falta de palestrantes mulheres em congresso da instituição - Pedro Ladeira - 13.abr.2018 /Folhapress

A AMB alegou inicialmente precipitação das juízas. O presidente da entidade, juiz Jayme de Oliveira Neto, não comentou o episódio.

Com 13.900 associados, dos quais 4.500 são mulheres, a associação afirma que é uma entidade plural e repudia preconceitos. A diretoria atual tem 63 magistradas entre os seus membros.

"A desfiliação foi uma decisão individual e muito pensada, sem precipitação", diz Geilza Diniz. Filiada havia quase 15 anos, ela diz "não ter sido movida por fatores políticos". "Venho aguentando firme as críticas dos pares, em prol de uma sociedade justa, solidária", diz.

Em 2017, em debate na TV Senado, ao comentar a nomeação de Raquel Dodge, a juíza disse que o acesso das mulheres ao topo da carreira é mais difícil.

A juíza aposentada Carla Patrícia atribui sua desfiliação a "uma reflexão serena, ao longo de pesquisas sobre o princípio da igualdade".

A juíza e escritora Andréa Pachá, do TJ do Rio de Janeiro, também pediu para deixar a entidade. Ela foi vice-presidente da AMB e já assumiu interinamente a presidência da associação

"Vejo com profunda tristeza a falta de sensibilidade para a importância da pauta da igualdade", diz a juíza.

Em 2015, Pachá escreveu artigo intitulado "O Judiciário é machista". "Uma juíza firme e exigente ser adjetivada como mal-amada não é vista como vítima de machismo", escreveu.

"Conheço muitas juízas que se indignaram e se desfiliaram, assim como conheço outras juízas que se indignaram, mas optaram por não se desfiliar" diz o juiz Bruno André Silva Ribeiro, do TJDFT.

"Devemos agradecer às corajosas juízas. Com a sua atitude, nos fizeram refletir sobre o problema. E só por isso já fizeram tudo valer a pena".

Para a juíza Laura Benda, presidente da Associação Juízes para a Democracia, as questões de gênero "ainda são vistas como menores".

"Esse seminário demonstra que o espaço público é dos homens, enquanto a nós é destinado o espaço privado e, de preferência, o silêncio".

A AJD tem aproximadamente 500 associados, 200 dos quais são mulheres.

A AMB colocou nota oficial em seu site, dez dias depois que as primeiras desfiliações vieram a público. Informa que, "após o fechamento, em fevereiro, do primeiro material de divulgação, outros nomes foram confirmados".

Cita, entre eles, os da ministra Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal, e da desembargadora Maria Berenice Dias, aposentada do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.

"Comungo desse movimento das mulheres juízas, porque, de fato, o congresso não está espelhando a realidade do Poder Judiciário", Dias afirmou à Folha.

Ela confirmou que falará no evento. Disse que foi convidada em outubro, mas que seu nome não constava do folder distribuído.

Primeira desembargadora gaúcha, ela ingressou no Judiciário em 1973 e aposentou-se em 2008. Dirige um escritório de advocacia especializado em direito homoafetivo. É fundadora do Instituto Brasileiro de Direito de Família.

"Pela primeira vez magistradas tomam uma atitude em busca de maior visibilidade, pois o congresso deu preferência a políticos", diz.

OUTRO LADO

A AMB diz em nota que "é uma entidade plural e repudia preconceitos". Segundo a associação, o 23º congresso exigiu a criação de uma comissão, composta por juízes e juízas, que se reúne desde julho de 2017. "Durante todo esse período, a comissão não recebeu nenhuma sugestão das juízas que resolveram deixar a associação".

A AMB informou que a programação do evento "está sendo construída gradualmente". "Ainda não fechamos a programação, pois nem todos os participantes ratificaram os convites, contando-se, dentre estes, diversas mulheres."

"Seria descabido crer que a comissão decidisse privilegiar a participação masculina". A entidade afirma que o número de mulheres já é recorde, o maior da história dos congressos.

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