Descrição de chapéu

Livro mostra como STF atuou em relação a tortura nos anos de chumbo

Primeiros atritos entre o Supremo e os militares surgiram com a concessão de habeas corpus

Frederico Vasconcelos
São Paulo

​A crítica do ministro Celso de Mello às "intervenções pretorianas" do general Eduardo Villas Bôas, tidas como pressão do Exército sobre o Supremo Tribunal Federal, atualiza o tema de um livro recém-lançado.

"Tanques e Togas: o STF e a Ditadura Militar", do jornalista Felipe Recondo, 39, é o resultado de mais de seis anos de pesquisas e entrevistas para tentar entender como o STF atuou nos anos de chumbo. O autor é fundador do site Jota, especializado em cobertura do Judiciário.

Costa e Silva cumprimenta o ministro Oswaldo Trigueiro na visita que fez ao STF em 1967, acompanhado pelo presidente do Tribunal, Luiz Gallotte
Costa e Silva cumprimenta o ministro Oswaldo Trigueiro na visita que fez ao STF em 1967, acompanhado pelo presidente do Tribunal, Luiz Gallotte - Divulgação/ Acervo STF

Na ditadura, ele cita, valia a máxima do penalista Nelson Hungria, de que os tanques e as baionetas estão acima das leis e da Constituição.

Os ministros assistiam, incrédulos, ao aumento dos casos de tortura nos governos Médici e Geisel. Permitiam o excesso de prazo das investigações, para reverter prisões arbitrárias sem confrontar os militares. "Mas nunca cobraram responsabilidade", diz.

Em 1964, o STF era presidido por Álvaro Moutinho Ribeiro da Costa, filho de um general e ex-aluno do Colégio Militar. Ele afiançou a eleição indireta de Castelo Branco. Enfrentaria, depois, as tentativas da linha dura de domar o Judiciário.

Os primeiros atritos entre o STF e os militares surgiram com a concessão de habeas corpus. O livro resgata vários incidentes.

Quando concedeu a liminar de soltura de Miguel Arraes, preso incomunicável em Fernando de Noronha, o STF não discutiu se a Justiça Militar podia investigar um ex-governador. Ponderou que a prisão temporária excedera o prazo razoável. O Exército soltou Arraes, mas o prendeu novamente. "A chicana era patente", diz Recondo.

O ministro Gonçalves de Oliveira concedeu a primeira liminar em habeas corpus do STF, quando tropas do Exército já marchavam para Goiás, para destituir o governador Mauro Borges, acusado de subversão.

Em casa, o ministro escreveu de próprio punho numa folha de papel: "Deferido". A inspiração veio de decisão do Superior Tribunal Militar.

Três dias depois, Castelo Branco, sob pressão do general Costa e Silva, líder da linha dura, pediu intervenção em Goiás.

Quando o deputado Márcio Moreira Alves proferiu discurso afirmando que o Exército era "valhacouto de torturadores", o pedido para processá-lo foi distribuído –sem sorteio– para o ministro Aliomar Baleeiro.

Baleeiro poderia ter arquivado o pedido, mas despachou a representação para o Congresso. A licença para processar o deputado foi negada.

Dias antes, Adaucto Lúcio Cardoso havia deferido liminar a favor de Darcy Ribeiro, chefe da Casa Civil no governo João Goulart. Os militares, claro, reagiram.

Com o Ato Institucional nº 5, Costa e Silva suspendeu a vitaliciedade dos magistrados. Foram cassados Victor Nunes Leal, Hermes Lima e Evandro Lins e Silva. Lafayette de Andrada e Gonçalves de Oliveira pediram aposentadoria.

Aliomar Baleeiro foi o relator do recurso do dominicano Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto. Disse que absolver "equivaleria a negar cumprimento a uma lei, que, bem ou mal inspirada, está em vigor". Mas a pena imposta já estava temporalmente cumprida.

Em sessão secreta, o STF discutiu o processo do deputado Francisco Pinto (MDB-BA), que fez discurso com críticas severas ao ditador chileno Augusto Pinochet, que viera ao Brasil para a posse de Ernesto Geisel.

O Supremo condenou Chico Pinto a uma pena mais branda. Uma segunda denúncia foi julgada em 1977. O tribunal deixou o crime prescrever.

O autor vê hoje o STF "livre das amarras da ditadura e responsável pelo seu próprio destino". Mas admite que é permanente o desafio de compreender e explicar o Supremo aos leitores. Seu livro é útil para essa pauta.

 

TANQUES E TOGAS

AUTOR Felipe Recondo

EDITORA Companhia das Letras

QUANTO R$ 59,90 (336págs.)

AVALIAÇÃO bom  ★★★  

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