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Márcio França diz que 'briga de casal' sobrecarrega polícia e é criticado por especialistas 

Especialistas em violência contra mulher criticam 'exemplo infeliz' do novo governador de SP

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São Paulo

A Polícia Militar de São Paulo poderia ser mais eficiente se não tivesse que atender a tantas brigas domésticas, disse nesta terça-feira (10) o recém-empossado governador de São Paulo e candidato à reeleição, Márcio França (PSB).

O governador de São Paulo, Márcio França (PSB), no Palácio dos Bandeirantes
O governador de São Paulo, Márcio França (PSB), no Palácio dos Bandeirantes - Karime Xavier/Folhapress

A fala —a primeira de França, enquanto titular do Palácio dos Bandeiras, sobre segurança pública— foi criticada por especialistas em violência contra a mulher.

França, que tomou o lugar do presidenciável Geraldo Alckmin (PSDB), de quem era vice até semana passada, foi questionado sobre o enxugamento dos aparatos policiais (civil e militar) no estado. Disse, então, que a melhor resposta seria "otimizar" os atendimentos. E isso inclui lidar com operações de "desinteligência" —usando desavenças entre casais como exemplo.

"Aqui em São Paulo [capital], por exemplo, quase 70% das ocorrências noturnas são desinteligência", disse a jornalistas após uma reunião de secretários de Segurança Pública de todo o país. "Quando um casal tá brigando, não necessariamente precisaria ter um PM ou dois PMs com viatura, revólver.  A gente vai encontrar um formato para ajudar nessa solução."

Para Samira Bueno, diretora-executiva do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, o governador "foi infeliz no exemplo". "Esse é um grave problema em São Paulo e no Brasil. E deveria ser uma prioridade de atendimento para a PM", afirmou. 

Até porque, continua Bueno, "a maior parte dos feminicídios [no estado] são feminicídios íntimos". 

Felizes, mas não para sempre

O caso de Soraia, 31, não chegou a tanto. Por pouco. A "ex-dona de casa" e atual secretária pede para ter o sobrenome omitido. Mas não sua história.

Ela e o ex-marido viveram felizes, mas não para sempre. "O amor mesmo durou dois anos, depois foi só pancada", conta. Ele tinha perdido o emprego, passou a beber "cachaça, cerveja, até vinho químico" e perdeu as estribeiras quando, cansada de tudo isso, ela pediu o divórcio. 

Foi a primeira vez que ele bateu nela —forte o bastante para deixá-la desacordada, com "a cabeça pingando sangue", diz. Foi salva porque uma vizinha chamou a PM. 

Professora da Universidade de Brasília e membro do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre a Mulher, Lourdes Maria Bandeira considerou a declaração de França um equívoco. 

"A meu ver ele está equivocado, pois a violência contra a mulher, quando ocorre, demanda que a área da segurança, no caso membro da DEAM [Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher] esteja suficientemente equipada para ir ao encontro da mulher agredida e tomar as providências necessárias, respeitando suas necessidades, naquele momento", disse Bandeira, que foi secretária-executiva da Secretaria de Políticas para Mulheres no governo Dilma Rousseff.

Num ponto ela concorda com França: "Não se trata de policial armado ou similar, mas de policial qualificado para atuar adequadamente. Essa compreensão de uso da força em situações de violência contra a mulher é descabida". 

Mas, se "uma compreensão mais humanitária e cidadã tem faltado aos governantes", o novo governador "não foge ao caso", diz a professora.

Contra a PM-SP depõe contra, segundo Samira Bueno, a falta de uma unidade especializada em violência doméstica ou de gênero, comum em polícias estaduais.

"Por isso reforço: o exemplo que ele deu foi muito infeliz. Não é desvio de função atender a esses casos. O que pode otimizar é a integração com as respectivas redes. Isso sempre pode melhorar, mas não tem um substituto pro trabalho da polícia."

O Brasil tem a quinta maior taxa de feminicídio (quando uma mulher é assassinada só porque é mulher) do mundo, segundo a OMS (Organização Mundial da Saúde) —o número de assassinatos chega a 4,8 para cada 100 mil mulheres. 

O Mapa da Violência de 2015, o mais recente focado no tema, aponta que, entre 1980 e 2013, 106.093 assassinatos se enquadraram nessa definição. 

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