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Questão de ordem: Voto de Rosa e poderes de Carmen 

Manteve-se o decidido pela maioria do STF em 2016 ainda que a maioria, hoje, possa pensar diferente 

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São Paulo

O que é habeas corpus? O recurso serve para proteger a liberdade de qualquer cidadão que se veja ameaçado por ato ilegal ou por abuso de poder por parte de uma autoridade. 

Para o relator Edson Fachin, a questão do habeas corpus de Lula era relativamente simples. Depois de condenado em duas instâncias, e com recurso negado no Superior Tribunal de Justiça, Lula deve ter prisão decretada. A decisão foi ilegal?

Não, disse Fachin. Pois a ordem se baseou no entendimento atual do STF, que autoriza a execução da pena mesmo quando restam recursos em tribunais superiores. Em 2016, o Supremo considerou, por 6 a 5, que isso não feria o princípio constitucional da presunção de inocência.

Como considerar ilegal ou abusiva decisão que está de acordo com o STF? Não havia base jurídica. Para Fachin, discussão encerrada.

De jeito nenhum, disse Gilmar Mendes. Não estamos discutindo só o caso individual de Lula. Qualquer discussão sobre habeas corpus, na Suprema Corte, pode entrar em questões de fundo (ele usou como exemplo o uso de amianto).

Tanto a questão é mais ampla, apoiou Ricardo Lewandowski, que Fachin levou ao plenário, referindo-se a uma polêmica constitucional. Quer deixar de debatê-la então? 

Verdade que o assunto teria de ser analisado quando o STF cuidar da constitucionalidade da prisão em segunda instância. 

Não tem lógica, argumentaram os “pró-Lula”. O plenário é o mesmo, se acharmos que a Constituição proíbe a prisão em segunda instância, não faz sentido prender antes e decidir o contrário depois.
Com críticas à “mídia opressiva” e aos horrores do sistema penitenciário, Gilmar Mendes justificou sua nova opinião. Há dois anos, tinha sido contra um entendimento absoluto do princípio da presunção de inocência. Mas agora verifica que a decisão, que simplesmente admitia possibilidade teórica, transformou-se numa espécie de ordem automática, a de prender sempre.

Estaríamos abrindo caminho para o poder abusivo de um “estamento” (o dos delegados, promotores e juízes) para prender indiscriminadamente, conforme o apelo “das ruas”. Preferível esperar, ao menos, o STJ —não só a segunda instância. 

Em casos de grande ameaça à segurança pública, juízes decidem pela prisão preventiva. Não era o caso. Habeas corpus concedido.

Sim, o sistema prisional é hediondo, concordaram Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso. Mas essa situação continua, qualquer que seja o entendimento sobre presunção de inocência. Após 2009, como após 2016, mudou a interpretação do STF sobre o assunto, mas a situação carcerária se manteve.
O que mudou, disseram Moraes e Barroso, foi a eficiência do combate à corrupção. É isso o que se quer interromper? Voltar a um país de “ricos delinquentes”? 

Não falem dos pobres para defender isso, disse Barroso. Os pobres, os “meninos da maconha”, são presos em flagrante, abusivamente. O entendimento de que não se pode prender nem após condenação em segundo grau beneficia os ricos. 

Após muitas palavras fortes, entrou na discussão constitucional. Uma coisa é considerar alguém culpado. Para isso, todos recursos precisam ser esgotados: é o que diz o item 57 do artigo 5 da Constituição. 
Outra coisa é a ordem de prisão, regulamentada no item 61 do mesmo artigo: “Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente”. 

Fora a questão constitucional, o HC não tinha como ser concedido. Até aí, sem surpresas. Gilmar mudava seu enfoque, mas Fachin, Barroso e Moraes mantinham o entendimento contrário ao HC de Lula. 
A expectativa era em torno do que decidiria Rosa Weber. Tinha sido contrária à questão de fundo, em 2016: a prisão após segunda instância confronta o princípio da presunção de inocência.

Mas isso não está em pauta agora, disse. Trata-se só de julgar o HC de Lula. Seguiu, então, o voto de Fachin. A decisão do STJ não tinha como ser considerada ilegal, abusiva ou monstruosa, se fundamentada no entendimento da maioria do STF.

Rosa já tinha negado muitos habeas corpus semelhantes, em obediência ao princípio da colegialidade: seguiu a decisão de 2016, e continuaria seguindo agora. A maioria contra Lula estava configurada.
Marco Aurélio reagiu: vence a estratégia! Crítica à presidente do STF. Carmen Lúcia decidira não colocar em pauta a questão de fundo, examinando antes o habeas corpus. 

Se fosse o inverso, Rosa teria provavelmente apoiado Gilmar e Marco. A decisão de 2016 teria sido revertida, e Lula ganharia o HC... 

Diante do paradoxo, resta para os advogados uma esperança: a de que a decisão de 2016 volte à pauta; nessa hora, o voto de Rosa Weber pode ir para o outro lado.

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