Depoimento de Marcelo implica cúpula da Odebrecht

Herdeiro disse que três vice-presidentes e um diretor jurídico podem esclarecer propina para aprovação de Refis da Crise

Wálter Nunes Felipe Bächtold
São Paulo

Em depoimentos a procuradores em abril, o empresário Marcelo Odebrecht implica integrantes da atual cúpula da empresa no pagamento de propina para aprovar em 2009 o chamado "Refis da Crise", um pacote de medidas provisórias para um projeto de refinanciamento de dívidas tributárias que beneficiava grandes exportadoras.

Após citar o esquema, Marcelo diz que os atuais vice-presidentes Maurício Ferro (jurídico), Newton de Souza (conselho) e Marcelo Lyra (comunicação), além do diretor-jurídico da construtora do grupo, Adriano Maia, podem elucidar e corroborar os assuntos que tratam de "contrapartidas no âmbito do governo e do Congresso Nacional".

Contrapartida, segundo Marcelo, é um eufemismo para propina. Nenhum dos quatro citados está entre os 77 executivos que fizeram delação. 

Marcelo Odebrecht presta depoimento na Operação Lava Jato
Marcelo Odebrecht presta depoimento na Operação Lava Jato - Reprodução

Marcelo disse aos procuradores Antonio Carlos Welter e Laura Tessler que ele capitaneou a negociação das medidas do Refis. 

O próprio empreiteiro tratava do assunto com o governo, conversando com o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, e seu antecessor, Antonio Palocci.

Quem tratou da tramitação no Congresso foi o então diretor de relações institucionais da empresa, Cláudio Mello Filho.

Mantega, segundo Marcelo, exigiu R$ 50 milhões de propina para encampar o projeto. O dinheiro seria usado na campanha eleitoral do ano seguinte, que elegeu Dilma Rousseff para a Presidência.
O trâmite foi discutido em e-mails, em que estavam copiados Ferro e Souza.

A propina paga para os petistas não é tratada explicitamente nas mensagens e por isso Marcelo foi chamado a colaborar. Alguns dos e-mails a que o empreiteiro faz referência já foram anexados em processos da Lava Jato e mostram Ferro discutindo a elaboração de medidas encaminhadas pelo governo com benefícios para a Odebrecht. 

Em um email Marcelo fala a ele sobre "contrapartida" a ser debatida com "Italiano".
Italiano é o apelido que os empreiteiros deram a Palocci, que, segundo a delação, tinha uma conta de propina com a Odebrecht. Em outro email, Ferro diz ter mantido contato com um integrante da equipe econômica de Lula.

Marcelo também diz que o esquema para a compra do Refis da Crise só foi montado após seu pai, Emílio, conseguir o aval do então presidente Lula. 

O empreiteiro não se sentia seguro de gerar um crédito de propina daquele tamanho sem se certificar de que o próprio presidente estava de acordo.

O dinheiro da propina teria sido gerado de um caixa dois da Braskem, indústria petroquímica do grupo, e seria alocado na conta "Italiano", gerenciada por Palocci, no setor de propinas da empresa.

Na época, Ferro, que é cunhado de Marcelo Odebrecht, era o vice-presidente jurídico da Braskem e Lyra, diretor de Relações Institucionais da petroquímica e, segundo Marcelo, o responsável por repassar demandas para Cláudio Mello Filho, ponto de contato com o Congresso.

Newton de Souza era na ocasião o vice-presidente jurídico da holding. Ele é cotado para assumir a presidência do conselho, que foi ocupada até o dia 30 de abril por Emílio Odebrecht.

Desde que foi libertado da prisão no Paraná, em dezembro, Marcelo está em conflito com a nova cúpula da empresa. Ao fazer revelações aos procuradores, ele poderá ter benefícios em sua pena.

OUTRO LADO

A Odebrecht disse, em nota, que o Refis da Crise foi uma solução técnica encontrada pelo governo para mitigar impacto relevante na tributação sobre empresas exportadoras, causado pela mudança de jurisprudência dos tribunais superiores. 

"Tornou-se, portanto, fundamental a participação das áreas jurídicas das empresas na busca de soluções. As interlocuções se deram entre entidades de classe, empresas e diversas esferas dos poderes Executivo e Legislativo." 

A participação de Newton de Souza e Maurício Ferro se restringiu, segundo a nota, às discussões técnicas e legais mantidas pelo setor empresarial com o governo, enquanto a participação de Marcelo Lyra nessas discussões se deu no campo da comunicação. 

"Já o atual diretor Jurídico da Odebrecht Engenharia e Construção, Adriano Maia, não participou sequer da discussão técnica e legal do tema da chamada MP do Refis da Crise." A Odebrecht diz que solicitou a escritório de advocacia especializado uma investigação independente sobre o assunto. 

O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende o ex-presidente Lula, diz que o delator não apresentou prova de suas afirmações e seu pai, Emílio, mostrou que o Refis da Crise era uma demanda de todo o setor industrial e não apenas da Odebrecht. 

A defesa de Antônio Palocci diz que ele continuará colaborando com as autoridades competentes.

O advogado de Guido Mantega, Fábio Tofic Simantob, afirmou que o relato de Marcelo Odebrecht "é algo que não tem credibilidade"

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