Ex-prefeito de São Bernardo lembra primeiro refúgio de Lula em sindicato

Tito Costa diz que PT 'se perdeu no meio do caminho', mas que eleição sem ex-presidente será 'sem graça'

Katia Flora
São Paulo

Exatos 40 anos antes de ter se refugiado na sede do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo, de onde saiu para se entregar à Polícia Federal, Luiz Inácio Lula da Silva buscou abrigo no mesmo prédio em outra conjuntura tensa.

Era 23 de março de 1978, e o então sindicalista Lula estava preocupado. Temia que sacos de alimento estocados no prédio para atender aos metalúrgicos numa emergência fossem confiscados pelo regime. 

Perfil do ex-prefeito de São Bernardo Tito Costa, que governou a cidade no final dos anos 1970, quando Lula era perseguido pela ditadura militar 
O ex-prefeito de São Bernardo Tito Costa, que governou a cidade no final dos anos 1970, quando Lula era perseguido pela ditadura militar  - Karime Xavier/Folhapress

O futuro presidente começava a se firmar ali como uma voz de oposição aos generais. Com o cerco se fechando, ligou para um aliado na prefeitura de São Bernardo: o advogado Antonio Tito Costa, prefeito pelo oposicionista MDB.

Costa mandou caminhões da prefeitura para retirar os alimentos no sindicato, mas, como não podia manter o estoque, pediu aos sindicalistas que arrumassem outro local. 

“Levaram na igreja matriz de São Bernardo para armazenar. De certa forma, a igreja apoiava esses movimentos sindicais”, lembra Costa. 

No dia seguinte, logo pela manhã o então líder sindical ligou novamente. “Tito, estamos cercados”, vociferou Lula. Havia policiais e tanques de guerra em frente o sindicato. 

“Quando cheguei com o delegado, o Lula fugiu pelos fundos e foi se esconder numa igreja”, conta o ex-prefeito.

A relação dos dois havia começado em 1976, quando Lula apoiou a eleição de Costa para prefeito numa das raras frestas que a ditadura abria para participação política. Venceu com cerca de 60 mil votos.

“Fomos bons amigos, a ponto de eu subir no palanque durante os movimentos sindicais”, lembra o ex-prefeito.

Também estiveram juntos nas greves no estádio da Vila Euclides, comandadas por Lula no final daquela década.

Hoje aos 95 anos, idade que ele menciona com orgulho, Tito Costa, viúvo há 16 anos e com cinco filhos, passa a maior parte do tempo trabalhando em casa, advogando em direito administrativo e eleitoral na Vila Mariana (zona sul de SP), onde mora.

Mesmo após deixar o MDB em 1990, depois que terminou um mandato de deputado federal, nunca se afastou do cenário político —hoje, mantém uma coluna semanal no jornal Folha do ABC, com crônicas e bastidores do poder.

Em 2015, após anos de distanciamento, Costa escreveu uma carta aberta ao amigo ex-presidente. Na época, estava preocupado com os rumos do PT, que surgiu com a promessa de dar esperança à população, mas, segundo ele, se perdeu no meio do caminho. 

Cita como um mantra uma frase de Frei Betto, amigo próximo de Lula: “O PT trocou um projeto de Brasil  por um projeto de poder”, diz.

Para Tito, o governo do Lula foi voltado para os “pobres mais desafortunados pela sorte”, porém, um dos mais corruptos da história do país. 

“Foi instalada uma era de corrupção, que trouxe para nós tudo isso o que está acontecendo, as dificuldades políticas e administrativas”, diz.

“O PT saiu de cena porque não fez a contribuição que precisava. Os líderes deles se omitiram para impedir o partido de tomar o rumo que tomou”, lamenta. Com o impeachment da ex- presidente Dilma Rousseff, segundo Costa, o partido se desestabilizou e tem uma crise que dura até hoje, com a prisão de Lula.

Um dos fundadores do MDB, acredita que partido está desfigurado pelo fato de ter nomes envolvidos na Lava Jato.

Mas pondera que, diante do cenário político e das eleições, a corrida eleitoral sem Lula é “sem graça”, e será um fracasso em razão de muitas abstenções nas urnas. 

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