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datafolha greve dos caminhoneiros

Greve dos caminhoneiros traduz descrédito das instituições do país

Apoio registrado pelo Datafolha evoca alta impopularidade do governo, mas não apenas isso

Mauro Paulino Alessandro Janoni
São Paulo

O apoio maciço da opinião pública à paralisação dos caminhoneiros evoca o alto grau de impopularidade do governo federal, mas não só isso. 

O percentual dos que se colocam favoráveis à greve alcança patamares ainda mais elevados do que a reprovação a Michel Temer (MDB) e a percepção majoritária de que o país piorou sob sua gestão. Alcança índice equivalente à aprovação das manifestações de junho de 2013 (81%).

Um dado que ilustra bem a posição dos brasileiros sobre o assunto é a quase unanimidade dos entrevistados (96%) alertar para a demora do presidente em atender às reivindicações da categoria, que, por sua capilaridade, mostrou-se essencial para a dinâmica cotidiana do país.

Em cenário de crise na relação entre representantes e representados, os caminhoneiros acabaram por personificar a combinação do sentimento de descrédito sobre instituições democráticas com o conceito de soberania popular —o poder e a importância do cidadão comum frente às imposições do Estado.

Não à toa, o movimento, que começou com suspeitas de natureza mercadológica e comercial, ao ser tratado como greve de trabalhadores, acabou despertando, para surpresa inclusive de seus líderes, bandeiras tanto à direita quanto à esquerda do espectro político.

Eram frequentes, nas concentrações nas estradas, tanto os pedidos de "Fora Temer", mantra da esquerda desde o impeachment de Dilma Rousseff (PT), quanto o apelo por intervenção militar no país, fetiche da extrema direita.

Para ilustrar essas tendências, a pesquisa nacional realizada pelo Datafolha em abril deste ano mostrava que os partidos políticos, junto com o Congresso Nacional e a Presidência da República, são as instituições de menor confiança junto aos brasileiros atualmente. 

No topo do ranking, com 43% de credibilidade total estão justamente as Forças Armadas, seguidas de longe pelo Ministério Público, o Poder Judiciário e a imprensa (21% cada).

Com alcance tão abrangente de mensagens em ambiente polarizado, o apoio expressivo da população à paralisação é compreensível, mesmo que a maioria identifique prejuízos aos brasileiros e se coloque contra o aumento de impostos para compensar a perda de arrecadação do governo. 

Em todos os estratos socioeconômicos e demográficos, os favoráveis ao movimento ultrapassam o patamar de 75%. Como curiosidade, entre os que se dizem petistas, esse índice vai a 90% e entre os simpatizantes do PSDB cai para 66%.

Mas nada garante que se a paralisação continuasse, a população manteria o apoio.

Apenas metade dos entrevistados pelo Datafolha por telefone vinham sentindo os efeitos diretos do movimento, especialmente os que possuem carro ou moto, e mesmo assim, para atividades de lazer ou viagem, não tanto para trabalho ou estudo. A maioria ainda não apresentava problemas com o abastecimento de alimentos, por exemplo, o que poderia potencializar mudanças no quadro.

 

Isso explica a distância de mais de 30 pontos entre o percentual dos que apoiam a paralisação e a taxa dos que acham que ela deveria continuar. Os mais velhos e com maior renda familiar são os que mais pediam a volta da categoria ao trabalho.

Se o impacto fosse ainda maior sobre a rotina da população, a categoria poderia se transformar, aos olhos da opinião pública, em mais uma instituição brasileira a ser rejeitada intensamente, o que só alimentaria ainda mais a crescente indignação popular.

Mauro Paulino é diretor-geral do Datafolha e Alessandro Janoni é diretor de Pesquisas do Datafolha

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