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'Um dos grandes mestres da minha geração', diz Kotscho sobre Dines; veja repercussão

Amigos, profissionais e autoridades lamentam morte do jornalista

São Paulo

“Com lugar garantido na galeria dos grandes protagonistas da imprensa brasileira no último meio século, era um jornalista por vocação, um tipo cada vez mais raro nas nossas redações”, escreveu o jornalista Ricardo Kotscho sobre Alberto Dines, que faleceu na manhã desta terça-feira (22).

Amigos e profissionais que conviveram de perto com Alberto Dines destacaram sua contribuição ao jornalismo brasileiro e lamentaram sua morte; leia:

 

Ricardo Kotscho dedicou um texto a Dines, de quem era amigo há décadas, em seu blog O Balaio de Kotscho. No post,  o descreve como “um grande sonhador”, “jornalista por vocação”, alguém que “achava que o jornalismo poderia melhorar o mundo”.

“Acordei nesta terça-feira com uma notícia muito triste, não só para os jornalistas, mas para todos os leitores: perdemos Alberto Dines, um dos grandes mestres da minha geração, que passou a vida tentando melhorar a imprensa brasileira.

Generoso e incansável na sua luta por qualidade e ética na prática deste ofício, Dines comandou grandes redações, promoveu reformas que marcaram época, como a do Jornal do Brasil nos anos 60, e criou o Observatório da Imprensa, em 1996, em várias plataformas, a sua grande obra na crítica sistemática aos meios de comunicação no país.

Era, acima de tudo, um grande sonhador, achava que o jornalismo poderia melhorar o mundo ao denunciar as suas mazelas e apontar caminhos para um convívio mais civilizado.

Com lugar garantido na galeria dos grandes protagonistas da imprensa brasileira no último meio século, era um jornalista por vocação, um tipo cada vez mais raro nas nossas redações.

Já fazia muita falta, e agora só nos resta guardar na memória a lembrança do seu convívio sempre comemorado na festa dos seus 80 anos numa cervejaria paulistana, a última imagem que guardo dele.”

 

A presidente do Projor, Angela Pimenta, disse estar muito entristecida com o falecimento de Dines, com quem conviveu nos últimos três anos e a quem define como “brilhante, visionário, inconformista, cheio de projetos, extremamente curioso, apaixonado pelo jornalismo e pela defesa da liberdade de expressão”. Dines fundou o instituto em 1996.

“Estamos muito entristecidos. Os projetos nos quais ele apostou, que era a necessidade de um Observatório da Imprensa, que fosse um fórum de opiniões, no sentido que numa democracia nem a imprensa tem a última palavra, essa demanda continua viva. A gente acha que igualmente vivos estão projetos como o projeto de mapeamento do jornalismo local, que estamos fazendo com o atlas da notícia. Ele começou essa ideia com o projeto ‘grande, pequena imprensa’. Ele foi brilhante, visionário e uma pessoa extremamente apaixonada pelo ofício jornalístico e pela defesa da liberdade de expressão, de opinião.”

 

O presidente Michel Temer lamentou a morte do jornalista por meio de mensagem publicada em sua conta no Twitter. "O jornalismo brasileiro perde um dos pilares da ética e do profissionalismo. Alberto Dines passou pelos mais importantes veículos do país e criou uma geração de jornalistas comprometidos com a correção da informação. Meus cumprimentos à família."

 

O governador de São Paulo, Márcio França, divulgou uma nota aos jornalistas em que diz que hoje é um dia triste para a imprensa brasileira, destacando a carreira de Dines no jornalismo e na academia. 

“Hoje é um dia triste para a imprensa brasileira. Com a perda de Alberto Dines, nos despedimos de um brilhante jornalista, que nos mais de 60 anos de carreira dirigiu e lançou alguns dos principais títulos de comunicação impressa do País. Dines também compartilhou seu talento em sala de aula, quando lecionou em escolas de jornalismo no Brasil e nos Estados Unidos. Meus sentimentos à sua família e aos seus colegas do Observatório da Imprensa, onde, com bastante propriedade, dedicava-se a analisar o trabalho dos veículos de comunicação.”

 

Para o professor titular da Escola de Comunicação e Artes da USP Eugênio Bucci, Dines era “seguramente um dos maiores nomes da imprensa brasileira do final do século 20 até muito recentemente, quando ele estava em atividade liderando o Observatório da Imprensa”.

“Sempre foi um editor de muito talento, renovador. Esteve no âmago das grandes reformas do Jornal do Brasil a partir dos anos 60, com muita dignidade no enfrentamento do regime da ditadura militar e da censura. Desde o início da carreira é notável na personalidade de Alberto Dines uma dupla inclinação, uma dupla vocação. Ele era jornalista, repórter, editor e articulista muito ligado à prática, mas também desde muito cedo passou a se dedicar ao estudo do jornalismo dentro da prática do jornalismo –a primeira experiência dele foram os Cadernos do Jornalismo que ele fez publicar dentro da redação do Jornal do Brasil.”

Dines lecionou uma disciplina sobre história do jornalismo na ESPM, em um curso criado por Bucci, entre 2011 e 2013. “Ele era um excelente professor, embora não tivesse diploma universitário e sempre lembrava disso, encantava os alunos.”

Segundo Bucci, Dines entrava na sala de aula com uma maquete da prensa de Gutenberg, que permitiu a impressão em massa de livros e dizia: “foi aqui que tudo começou”. Bucci, que assistiu ao primeiro ano do curso, brincava: “E o Alberto Dines já estava lá.”

“Ele era um editor muito talentoso, tinha um entusiasmo muito contagiante, sabia tocar a vida prática de redação, desenhava a página do jornal, teve muita dignidade em enfrentar a repressão, com passagens memoráveis nesse sentido, mas também tinha uma vocação de crítico da imprensa, de pensar a imprensa, e de professor também.” 

 

O jornalista Juca Kfouri, que é colunista da Folha, afirmou em seu blog no UOL que Dines era um amigo, de quem se aproximou em 1982 e sempre teve "uma relação bastante feliz, de muito riso".

"Sempre o chamei de Albertinho e fiz questão de não tratá-lo com a reverência que merecia dos mais jovens. Ele vinha sofrendo muito já faz tempo e sua morte interrompe dias que não lhe faziam justiça. É curioso. O descanso dele, pelo qual torci, não consola agora", escreveu.

 

Em nota, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) disse lamentar a morte de Dines, a quem chama de "uma referência do jornalismo brasileiro".

"Dines foi um mestre, que marcou época como editor-chefe do Jornal do Brasil em um período em que o jornalismo era também um ato de resistência frente ao autoritarismo. Em tantas outras publicações pelas quais passou, seu dinamismo e combatividade contribuíram enormemente para a qualidade da imprensa brasileira", afirma a nota.

 

Em nota, a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão) disse lamentar profundamente a morte de Dines.

"Em mais de 60 anos dedicados à notícia, teve destacada atuação nos diversos veículos de comunicação por onde passou, sendo uma verdadeira referência para o jornalismo brasileiro. Alberto Dines foi também um grande defensor da comunicação, dedicando-se à vida acadêmica, sempre preocupado com o aprimoramento do jornalismo. Foi ferrenho defensor da liberdade de imprensa, exercendo-a até nos mais difíceis momentos da ditadura militar. Neste momento de dor, a Abert presta solidariedade aos familiares, amigos e colegas de trabalho", diz a nota.

 

O professor convidado do departamento de filosofia da USP e engenheiro Sylvio Band, amigo próximo de Dines, disse à Folha ver no jornalista uma "feliz fusão entre rigor e sabor". 

"Foi uma perda muito grande, vai fazer muita falta para mim. Nós éramos amigos há 40 anos, ele vinha frequentemente aqui em casa. Eu vejo no Dines uma feliz fusão entre rigor e sabor —seja como biógrafo, jornalista, palestrante", afirmou. 

Band relembrou uma habitual troca de emails entre ele, Dines, Clara Ant (assessora de Lula) e Abram Szajman (presidente da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo).

"Ele tinha, durante um bom tempo, um programa de troca de emails com esses quatro interlocutores, que falavam uma língua que está morrendo, iídiche, muito usada pelos judeus depois assassinados nos campos de concentração. Nós gostávamos também de nos reunir para comer comidas típicas judaicas", contou o professor.

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