Há três fatores que explicam a centralidade dos impostos na opinião pública. O primeiro obviamente é a própria carga tributária que, em 2011, ultrapassou a média dos países da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico, que reúne 37 países).
Mais importante do que sua magnitude –que vem de longa data– é sua politização. O Brasil apresenta uma consistente rejeição à carga tributária: entre 2003 e 2011 (o último ano para o qual o Latinobarómetro incluiu a questão), dois terços dos entrevistados concordaram que os impostos eram "alto demais", o percentual mais elevado da região.
O segundo fator está associado às mudanças ocorridas nas preferências dos cidadãos na última década que afetam o contrato fiscal implícito na troca de tributação por serviços. Há evidências na série histórica do Latinobarómetro entre 2003 e 2013. Esse período, que corresponde à década do superciclo de commodities, caracteriza-se na América Latina por crescimento econômico e expansão do consumo.
Se sou mal atendido no posto de saúde, a culpa é do SUS; se estou desempregado, a culpa pode ser minha. A crise recente em que as questões econômicas voltaram não reverte totalmente a mudança estrutural ocorrida. O consumidor insatisfeito tornou-se definitivamente um cidadão zangado.
No Brasil e no Chile, os temas econômicos desapareceram do radar e nem sequer estavam entre as prioridades listadas em 2013. Duas questões adicionais adquiriram relevo recentemente: segurança pública e corrupção.
Agregando-se as principais preocupações dos cidadãos referentes a serviços em um único indicador sintético (média simples das menções a serviços), pode-se identificar sua centralidade em termos de demanda política. Esse exercício sugere que os dois países onde há maior demanda por serviços são aqueles que já têm as maiores cargas tributárias na região: Brasil e Argentina.
O Brasil é o país da região em que os níveis de satisfação com o funcionamento da democracia e a avaliação dos serviços públicos são os mais baixos. Embora a correlação entre esses fatores não seja significativa para a região como um todo, observa-se também avaliação negativa de ambos nos três países que concentraram os maiores protestos de rua voltados para serviços na década: Brasil (na área de saúde, educação, em 2013), Chile (educação em 2012) e Peru (transportes, educação).
Se os cidadãos percebem a democracia como disfuncional e avaliam negativamente os serviços públicos, aumentam os incentivos para protestos. Os dados são para 2011, na véspera dos protestos.
A rejeição à sonegação na opinião pública estava entre as mais elevadas da região, o que tem dado sustentação ao combate à corrupção. Na medida que a exposição à corrupção se intensificou com a Lava Jato, a "tax morale" (sentimento público em relação a tributação) reduziu-se. Por que pagar impostos se eles podem ser canalizados para a corrupção?
O percentual de cidadãos que afirmaram que a sonegação nunca é justificável caiu de 62% para 47% entre 2011 e 2015. Em 2017, 30% das respostas sobre o principal problema pelos brasileiros apontaram a corrupção como problema (os dados dos demais países não foram divulgados ainda). Um em cada dez brasileiros tinha confiança de que os impostos estavam sendo bem aplicados, enquanto metade do uruguaios o tinha, segundo o Latinobarómetro de 2005.
Em suma, as evidências empíricas apontam que o Brasil tem a maior carga tributária na região e seus cidadãos exibem a maior avaliação crítica em relação à tributação; apresentam o maior grau de preocupação com serviços públicos comparativamente; e têm também a pior avaliação desses serviços. Em nosso país, a corrupção tornou-se a questão mais relevante da agenda pública e a aversão à sonegação de impostos tem sido a mais intensa da região.
Daí as tensões em nosso contrato fiscal. Cidadão zangado é bom para a democracia. Mas apenas quando age dentro da ordem constitucional.
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