A Polícia Federal sustenta que entidades em disputa por registros sindicais pagaram propinas de R$ 300 mil e até ameaçaram recorrer ao presidente Michel Temer para conseguir fraudar processos no Ministério do Trabalho.
Mensagens trocadas entre os investigados na Operação Registro Espúrio mostraram que o presidente da União Geral dos Trabalhadores (UGT), Ricardo Patah, pressionava autoridades da pasta para impedir a oficialização do Sindicato dos Trabalhadores no Comércio Atacadista e Varejista de Material de Construção de SP (Sintramac). Ele comanda o Sindicato dos Comerciários de SP (SEC-SP), que perderia filiados nesse caso.
Conforme as investigações, após combinação prévia de Patah e outros integrantes da UGT com o então assessor da Secretaria das Relações de Trabalho Renato Araújo, o pedido do Sintramac foi indeferido.
O sindicato prejudicado, então, teria se articulado com outros servidores —o então coordenador de Registro Sindical, Leonardo Cabral, e o então secretário das Relações de Trabalho, Carlos Lacerda—, que emitiram nota favorável a recurso da entidade. Araújo, Cabral e Lacerda foram alvos de mandados de prisão preventiva, decretados pelo ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal.
Em reação, representantes da UGT avisaram que Patah recorreria ao presidente da República. "Foi facadas nas costas. Ataque direto ao presidente da UGT", escreveu em janeiro de 2017 o consultor da central sindical, Eduardo Pavão. "Será revertido, nem que a ordem venha do Temer."
O inquérito sobre o caso não é conclusivo sobre eventual tratativa com o presidente a respeito. No mês seguinte, contudo, o sindicalista conseguiu reverter a situação, suspendendo o registro da entidade rival por um recurso.
Com mais esse revés, integrantes do Sintramac teriam mudado de estratégia e pago R$ 300 mil em propina. Um servidor da pasta, Daniel Vesely, passou a receber mensagens de um suposto interlocutor do sindicato, não identificado nas investigações, cobrando a publicação de uma decisão favorável em contrapartida a R$ 300 mil já pagos.
"Faz o que nós combinou, pô! Publica aquela nota técnica lá. Pra não dar problema. Senão, segunda-feira eu tô aí. Devolve o que eu dei pra você e já era, tio", diz um áudio enviado ao servidor.
Ele repassa as cobranças a Araújo, que também recebeu ameaças por telefone.
Fachin decretou a prisão temporária de Vesely. A partir das ameaças, Araújo passou, segundo as investigações, a orientar o Sintramac a apresentar um mandado de segurança contra o próprio ministério para reverter a decisão.
Em outro caso investigado, a PF aponta que a UGT atuou para liberar, via propina, o registro do Sindicato dos Empregados em Restaurante e Empresas do Comércio e Serviço de Alimentação Preparada e Bebida a Varejo de São Paulo e Região (Sintraresp).
O pedido foi feito pela entidade em 26 de dezembro de 2016 e, em 27 de abril do ano seguinte, o registro foi publicado no "Diário Oficial".
Uma ação de improbidade administrativa, ajuizada pelo procurador da República Federico Paiva contra os responsáveis pelo processo, diz que o pedido não foi analisado pelas instâncias técnicas adequadas. A entidade aguardou apenas dois dias entre o deferimento da carta sindical e a publicação, enquanto em outros casos a espera pode superar dois anos.
A PF constatou que, no mês seguinte à publicação do registro, a UGT transferiu R$ 300 mil para a conta do sindicato, valor que foi sacado em espécie dois dias depois. Para os investigadores, a quantia foi usada para o pagamento de propina a Cabral e Lacerda, com participação de Patah, apontado como o responsável por liberar os recursos.
O Palácio do Planalto reiterou comunicado do Ministério do Trabalho, que diz ter aberto sindicância e dispensado os servidores investigados.
Patah disse que atuou para impedir o registro do Sintramac, mas dentro da legalidade, pois entende que a concessão seria irregular. Ele negou ter procurado Temer sobre o assunto. O sindicalista disse que os R$ 300 mil repassados pela UGT ao Sintraresp foram um empréstimo, pois o sindicato estava em formação e precisava se estruturar. Patah afirmou que a entidade não pagou a dívida e que a UGT vai cobrá-la.
A Folha não localizou representantes do Sintramac e dos servidores investigados. O Sintraesp não se manifestou.
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